16/02/2011

A História é um livro em aberto

(por Dominic Campbell)

Com o seu conceito de Eterno Retorno Nietzsche rompeu com a sagrada tradição de uma história clara e verdadeira da humanidade conforme escrita na Bíblia e negou enfaticamente que a história humana fosse uma história de progresso, rompendo assim um tabu talvez ainda mais sagrado na época de Nietzsche do que a própria crença em Deus. Mário Guardi (Il Caos e la Stella Il Falco Milan 1983) argumentou que não foi tanto a teologia do cristianismo, cuja liturgia reflecte em muitos casos uma crença na recorrência – Jesus sacrifica-se uma e outra vez pelos nossos pecados e a sua morte e ressurreição é repetidamente celebrada – mas antes o optimismo secular sobre o fim da história que foi, esse sim, o alvo principal do ataque de Nietzsche. Este optimismo é parte daquilo que Guardi chama “ a ideologia iluminista-evolucionista do progresso”, e esta ideologia, diz ele, é Hegeliana. A refutação que Nietzsche faz de Hegel é uma refutação filosófica dos princípios do progresso e da crença na melhoria humana. Muitos analistas vêem Nietzche como um pessimista heróico que desafiou o optimismo do liberalismo e do socialismo.

Significativamente Guardi não escreve sobre o mito do progresso mas sobre a ideologia do progresso. O progresso enquanto ideologia não significa apenas uma crença de que o progresso em curso é “inevitável” mas a crença adicional de que tem de, deve e vai surgir, numa palavra, de que é desejável. Guardi projecta um pessimismo nietzschiano no qual o progresso é uma ideologia que contém um programa que certos grupos procuram executar. O que aparece sob a bandeira do progresso (a emancipação feminina, a construção de estradas, as Nações Unidas, a educação universal, cuidados médicos para todos, uma única linguagem para o mundo) é na realidade o triunfo de determinados interesses, noutras palavras, manifestações da Vontade de Poder. Se Proudhon disse que a “ a propriedade é roubo” podemos parafrasear o adágio de Nietzsche como “a Vida é roubo”.

O próprio acto de vida é a conquista do combustível da vida, e não há vencedores sem perdedores.
Este é o significado da glorificação que Nietzsche faz da guerra e do adágio de Zaratustra de que uma boa guerra justifica qualquer causa. Na medida em que lutamos, vivemos, porque lutar é a afirmação da vontade. Os que não lutam são escravos. Os que não gostam de lutar não gostam da vida. O desporto é luta, tentar entender um livro é luta, até o acto criativo do artista ou do cozinheiro é luta.

A aceitação da noção de que o progresso é inevitável é, de acordo com Nietzsche, cair na armadilha (outrora usada por marxistas, agora pelos proponentes do livre-mercado exactamente da mesma maneira) da moralidade de escravo para enfraquecer potenciais opositores fazendo-os crer que estão a tentar resistir ao que é “inevitável”, ou para dizê-lo como Nietzsche, seduzi-los com moralidade, desarmando-os assim da sua vontade e tornando-os escravos. Descrever algo como “inevitável” implica que a história/vida tem uma narrativa completa, um conto racional, com o qual estamos obrigados a conformar-nos. Essa história não existe, diz Nietzsche. A suprema consolação é que através das nossas acções influenciamos o universo.