09/02/2012

F. Roger Devlin - O Pensamento Econômico de Bonald

por F. Roger Devlin


A era francesa do Iluminismo testemunhou e celebrou uma revolução econômica: o rápido crescimento da especulação e de uma economia monetária, e uma correspondente diminuição da importância da terra enquanto riqueza. Bonald acreditava que a mudança havia sido causada pela prática da usura. Ele não condenava todo empréstimo a juros como usura, mas distinguia entre os casos de empréstimo para aquisição de bens produtivos (como terra ou capital) e empréstimos para bens improdutivos pretendidos para o consumo.

Por exemplo, se eu empresto dinheiro para que um homem compre uma fazenda, eu posso legitimamente cobrar juros sobre os bens produzidos pela fazenda. Na França do tempo de Bonald, isso normalmente significaria uma taxa de juros ao redor de 4 ou 5% ao ano. Por outro lado, se eu empresto dinheiro para que um homem compre pão, sua compra, longe de ser produtora de mais valor, perde o valor que tiver se não for rapidamente consumida. Em contraste com a própria terra, "os produtos da terra, são valores mortos que diminuem em quantidade ou qualidade". Ganhar dinheiro emprestando para o consumo é, na visão de Bonald, essencialmente injusto e uma violação da caridade cristão mesmo quando livremente acordado entre credor e devedor.

Pode parecer que tal doutrina impediria que um quitandeiro comum operasse sua loja e lucrasse. Bonald sustenta que o "lucro" do quitandeiro na verdade se resume a um salário pelo trabalho que ele faz:

"O trabalho dos homens que compram, transportam, guardam, preservam e melhoram bens merece um salário. O natural decréscimo, a perda acidental e eventual de bens e o desperdício inevitavel que eles sofrem em sua transformação em valores industriais merecem todos eles compensação".

Isso contradiz o dogma de Adam Smith:

"Os lucros de capital, poder-se-ia pensar, são apenas um nome diferente para o salário de um tipo particular de trabalho, o trabalho de inspeção e direção. Eles são, porém, completamente diferentes, sendo regulados por princípios distintos, e não são proporcionais à quantidade, dificuldade ou engenhosidade desse suposto trabalho de inspeção e direção. Eles são regulados completamente pelo valor do capital empregado, e são maiores ou menores em proporção à quantidade desse capital... Em muitas manufaturas grandes, quase todo o trabalho desse tipo é atribuído a algum funcionário importante. Seu salário expressa propriamente o valor desse trabalho de inspeção e direção. Ainda que em sua determinação alguma consideração normalmente se tem, não apenas quanto a seu trabalho e perícia, mas também à confiança que é depositada nele, porém este salário nunca tem qualquer proporção regular com o capital cuja aplicação ele supervisiona; e o proprietário desse capital, ainda que ele esteja assim desincumbido de quase qualquer trabalho, ainda espera que seu lucro tenha uma proporção regular com seu capital. No preço das commodities, portanto, os lucros de capital constituem uma parte componente totalmente diferente do salário de trabalho, sendo regulados por princípios bastante distintos". (A Riqueza das Nações, Livro I, Capítulo 6)

Eu não irei me aventurar em decidir a questão em favor de Bonald, mas eu estou inclinado a imaginar quantos economistas modernos poderiam dar uma explicação coerente do motivo pelo qual essa perspectiva impopular está erradao.

O dinheiro, na perspectiva de Bonald, é fundamentalmente um signo de valor e um meio de troca ao invés de uma commodity como qualquer outra. Ele não deve, portanto, demandar um "preço" na forma de juros (exceto como notado acima). Quando a usura é permitida,

"os juros, ou melhor o preço do dinheiro, é infinitamente maior que os frutos da terra, assim todos desejam vender sua terra de modo a buscar dinheiro para emprestar. Mas quando todos querem vender, ninguém quer comprar. Os frutos da terra tendem a subir aos preços mais altos, enquanto a terra desce ao preço mais baixo, ou elas se tornam impossíveis de vender a qualquer preço, e compra-se apenas aquilo que a miséria deixa para trás ou as revoluções tornam disponível. Nota-se uma tendência geral a deixar o próprio lar e o lar dos próprios antepassados, abandonar a própria família e seu país. Uma vaga inquietude e desejo por mudança atormentam os donos de terra. Eles reclamam de estarem presos a uma propriedade sobrecarregada de cuidados, e com muito pouca renda sobrando para pagar por seus luxos e prazeres. Nós vemos um desejo imodesto de ficar rico espalhando-se até pelas ordens mais baixas da sociedade, causando desordens horríveis e crimes inauditos; enquanto em outros causando um egoísmo duro, uma extinção total de qualquer sentimento generoso, e uma transformação insensível da mais desinteressada e amistosa nação em uma população de especuladores que veem nos eventos da sociedade apenas oportunidades de ganho ou perda".

 A esse sistema instável, calculista e caótico Bonald opõe o tradicional sistema da economia agrária que floresce quando as taxas de juros não tem permissão de exceder ao fruto da terra:

"Aqueles que são capazes de viver dentro dos limites de seu capital buscam adquirir terra produtiva, porque a renda da terra é aproximadamente a mesma que o juro pago por dinheiro, e é mais segura porque o capital em si está mais protegido contra imprevistos. Porém, caso todos quisessem comprar, ninguém iria querer vender. Terras estão então possuem um preço elevado em relação a bens. Todos os cidadãos aspiram passar de possuidores de dinheiro a possuidores de terra, ou seja, de uma condição política móvel e dependente a uma posição fixa e independente. Essa é a disposição mais feliz e moral da consciência pública, a mais oposta ao espírito da ganância e da revolução".

O leitor aprenderá mais sobre agrarianismo de algumas páginas de Bonald do que de todos os exercícios literários em I'll Take My Stand.

Bonald não via razão pela qual o legislador deveria permanecer neutro em relação a desenvolvimentos tão danosos aos hábitos morais da sociedade:

"Uma política sábia, mais atenta aos interesses gerais do que aos privados, buscaria tornar a circulação de dinheiro menos rápida: em Esparta, pelo uso de dinheiro de ferro, nos Estados modernos, pela proibição dos empréstimos usurários... Se os lucros do comércio regularmente sobem muito acima das rendas da terra, seria uma medida sábia devolvê-las à igualdade, ou favorecendo o cultivo da terra de todos os modos possíveis, ou contendo as especulações comerciais dentro dos limites da utilidade geral".

Para restaurar a ordem agrária, Bonald também advogava a restauração da primogenitura e demanda: "uma lei feita não para o benefício do mais velho, mas para a preservação e permanência da família agrária". A legislação revolucionária havia demandado a divisão igual da herança de propriedades agrárias. Isso não era diferente do juízo de Salomão de cortar uma criança em dois: a metade ou 1/4 ou 1/8 de uma propriedade usualmente não tem o valor correspondente da fração da propriedade original. Pode ser triste que nem todos os homens podem viver de suas próprias terras, mas fracionar propriedades em uma miríade de jardins vegetais não melhora as coisas; isso apenas força os "herdeiros" a vender sua terra por qualquer preço que eles consigam. Como cidadão de destaque de seu distrito, Bonald veio a conhecer os males do novo sistema em primeira mão.

"Um rico agricultor que o autor parabenizou pelo bom estado de sua propriedade respondeu em um tom doloroso: 'É verdade, minha propriedade é bela e bem cuidada. Meus pais por vários séculos e eu por cinquenta anos trabalhamos para ampliar, melhorar e embelecê-la. Mas você vê minha família grande, e com as leis de herança deles, meus filhos um dia serão servos aqui quando outrora foram mestres".

Bonald defendia até mesmo o sistema de guildas, que Smith havia criticado por restringir a competição e demandar ineficientemente sete anos de aprendizado para ofícios que levava seis meses para aprender.

"Para as classes inferiores, as corporações de artes e ofícios eram um tipo de nobreza municipal hereditária que dava importância e dignidade aos indivíduos mais obscuros e às profissões menos exaltadas. Essas corporações eram ao mesmo tempo fraternidades, e é isso que excitava o ódio dos 'filósofos' que perseguiam a religião até mesmo em suas manifestações mais modestas. Essa instituição monárquica trouxe grandes benefícios à administração. O poder dos mestres continha jovens que careciam de educação, que haviam sido retirados da autoridade paterna ainda cedo pela necessidade de aprenderem algum ofício e ganhar seu pão, e cuja obscuridade afastava do poder público. Finalmente, a herança das profissões mecânicas também servia à moralidade pública pela colocação de uma barreira à mudanças ruinosas e ridículas de moda".

O primeiro ponto do autor é especialmente digno de ponderação: um homem pode ser feliz em uma posição baixa, desde que ela seja uma posição reconhecida dentro da sociedade. O "vírus da igualdade" infecta homens que estão desenraizados, ou seja, que não pertencem a lugar algum. Aqueles com a dignididade de até mesmo um "lugar" modesto raramente são perturbados pelas fortunas maiores dos outros.
 
Bonald criticava Smith diretamente:

"Riqueza, tomada em um sentido geral e filosófico, é meio de existência e preservação; opes, no latim, significa tanto riqueza como força. Para o indivíduo - um ser físico - esses meios são riqueza material, os frutos do solo e da indústria. Para a sociedade - um ser moral - os meios de existência e duração são as riquezas morais, e as forças da conservação são, para a sociedade doméstica, a moralidade, e para a sociedade pública, as leis. Morais e leis são, portanto, a verdadeira e até mesmo a única riqueza das sociedades, famílias e nações".

Aqui novamente nós vemos a radical distinção entre interesses universais ou públicos e particulares ou privados: bens econômicos são sempre privados, mesmo que sejam desfrutados por todos os indivíduos de uma dada sociedade. É por isso que o Liberalismo (que segundo o próprio Ludwig von Mises é "meramente economia aplicada") não pode dar um motivo pelo qual os cidadãos deveriam sacrificar suas vidas pelo seu país:

"Um espírito público não pode ser mantido em uma nação comercial ou manufatureira devotada a cálculos de interesse pessoa, e ainda menos hoje quando as leis da guerra protegem a propriedade pessoal do conquistado e em nossos sentimentos humanitários nós consideramos um crime que o cidadão não seja pago para defender sua terra. Em cada era, nações pobres conquistaram nações ricas, mesmo que em sua riqueza elas tivessem os motivos mais poderosos para auto-defesa".

Similarmente, em seu tratado Sobre o Divórcio, Bonald apontou que povos comerciais tendem a pensar até em casamento a partir de um modelo de contrato mercantil. Ele escreve "da degradação de um povo vizinho [o inglês] que avalia a fraqueza da mulher, o crime de um sedutor, e a vergonha de um marido em libras, shillings, e pence, e processa pelo total a partir de estimativas de especialistas".
Bonald rejeita o impulso "privatize tudo!" que enxerga socialismo espreitando em cada praça:

"O uso de coisas comuns, templos, águas, florestas, e pastos constitui a propriedade da comunidade. De fato, não há mais comunidade onde não há mais uma comunidade de uso. Pode ser verdade que as comuns eram mal administradas. Eu até acreditaria que sua divisão, em alguns lugares, produziu um pouquinho mais de trigo. Porém em algumas terras essa divisão restringe o rebanho a espaços pequenos demais e assim arruina uma parte importante da agricultura. Mais importante, não há mais propriedade comum entre os habitantes do mesmo lugar e, consequentemente, não há mais comunidade de interesses, não há mais ocasiões para deliberação e acordo. Por exemplo, se houvesse apenas uma fonte pública em uma aldeia a partir da qual a água fosse distribuída para todas as casas, retirar a fonte seria negar aos cidadãos uma ocasião contínua para ver, falar, e ouvir uns aos outros".

Bonald, como Marx após ele, viu que a pobreza industrial era diferente da pobreza dos estados agrícolas, e uma ameaça maior à ordem social tradicional. De fato, ele chega próximo de chamar o proletariado industrial de vanguarda da revolução.

"O verdadeiro político está preocupado com as desordens que emergem da alternância de abundância e miséria à qual a população industrial está exposta, que, produzindo bens industriais sem ser capaz de consumi-los, não está menos forçada a consumir os frutos da terra sem ter a habilidade de produzi-los ou mesmo compra-los - e que, encontrando-se sem trabalho e sem pão, é um instrumento preparado para a revolução... Que não se duvide que é na esperança de colocar toda essa população abundante em seu bolso que um partido europeu promove o crescimento exagerado da indústria, certo de que pode dar trabalho a esses mãos vazias na imensa oficina da indústria revolucionária".