04/04/2012

Aleksandr Dugin - Julius Evola e o Tradicionalismo Russo

por Aleksandr Dugin



A Descoberta de Evola na Rússia

As obras de Julius Evola foram descobertos nos anos 60 pelo grupo de intelectuais esotéricos e anticomunistas conhecidos como “os dissidentes da direita”. Eles compunham um pequeno círculo de pessoas que conscientemente se negavam a participar da “vida cultural” da URSS e que, ao invés disso, tinham escolhido uma vida subterânea para si. A disparidade entre a cultura soviética presente e a verdadeira realidade soviética foi quase que totalmente o motivo que os levou a buscar os princípios fundamentais que poderiam explicar as raízes daquele juízo negativo absoluto. Foi pela sua recusa do comunismo que eles descobriram certos trabalhos de autores antimodernos e tradicionalistas: acima de tudo, os livros de René Guénon e Julius Evola. Duas personalidades centrais animavam este grupo – o filósofo islâmico Geidar Djemal e o poeta inconformista Evgeni Golovin. Graças a eles, esses “dissidents da direita” conheceram os nomes e as ideias do dois maiores tradicionalistas do século. Nos anos 70, uma das primeiras traduções de um trabalho de Evola ("A Tradição Hermética") apareceu e foi distribuída dentro do círculo, sob a forma de samizdat [1].

No entanto, as traduções originais eram particularmente ruins em qualidade, porque elas foram feitas por amadores pouco competentes à margem do grupo dos intelectuais tradicionalistas propriamente ditos. Em 1981, uma tradução do "Heidnischer Imperialismus" apareceu de maneira similar, como o único livro desse tipo disponível na Livraria Lenin em Moscou. Desta vez, a distribuição por samizdat havia sido muito maior e a qualidade da tradução era muito melhor. Pouco a pouco se formou a verdadeira corrente dos tradicionalistas, que passou do anticomunismo à antimodernidade, estendendo a sua negação da realidade soviética para a rejeição do mundo moderno enquanto tal, coerentemente com a visão tradicionalista integral. Deve-se notar que as idéias dos tradicionalistas em questão, neste ponto particular, eram muito distantes dos outros grupos de “dissidentes da direita”, que geralmente eram cristãos ortodoxos, monarquistas e nacionalistas. Nesta época, Evola era mais popular entre aqueles interessados no espiritualismo em sentido amplo: yoga, teosofismo [2], psiquismo [3], e daí em diante. No curso da perestroika, todos os tipos de dissidência anticomunista saíram à luz do sol e, a partir dos “dissidentes da direita” se criou a corrente ideológica, cultural e política da direita atual: nacionalista, nostálgica, antiliberal e anti-ocidental.

Neste contexto e depois do desenvolvimento da glasnost, as ideias estritamente tradicionalistas, os nomes de Guénon e Evola foram introduzidos no conjunto cultural russo. Os primeiros trabalhos de Evola aparecem nos anos 90, nas amplamente lidas partes da mídia conhecidamente “patriótica” ou “conservadora” e o tema do tradicionalismo tornou-se tema de virulentas polêmicas e era um assunto importante para a direita russa como um todo. Periódicos como "Elementy", "Nach Sovremennik", "Mily Anguel", "Den", etc, começaram a publicar fragmentos dos escritos de Evolas, ou artigos inspirados na sua obra onde seu nome era muitas vezes citado. Pouco a pouco o campo “conservador” veio a ter uma estrutura ideológica que produziu cisões entre os velhos nostálgicos e monarquistas da direita e a outra direita mais aberta, inconformista e menos "ortodoxa" - um tipo de "novye pravye" em russo, que se pode traduzir como "nova direita", mas precisando que se trata de um fenômeno muito original e diferente da "nova direita" europeia.

Este segundo partido dos "patriotas" poderia ser qualificado como "terceiro-posicionista", "nacional-revolucionário", etc. O ponto de separação se dá exatamente sobre a aceitação ou rejeição da ideias de Evola, ou talvez mais apropriadamente do espírito de Evola, que não se pode qualificar meramente como “conservador” ou “reacionário”, mas como a ideia de “Revolução Conservadora” e de “Revolta Contra o Mundo Moderno”. Recentemente, o primeiro livro “Heidnische Imperialismus” teve 50.000 cópias publicadas. Até mesmo um programa de televisão voltado a Evola foi feito por um canal popular. Então, pode-se ver que a descoberta de Evola pela Rússia foi feita em uma escala bastante ampla. Aquilo que era um núcleo intelectual extremamente marginal, antes da perestroika, se tornou agora um fenômeno político e ideológico considerável. Mas é bem claro que Evola escreveu seus livros e formulou suas ideias num contexto temporal, cultural, histórico e étnico bem diferente. Por isso se propõe o problema: quais partes da filosofia de Evola são relevantes para a Rússia moderna e quais partes precisam ser trabalhadas, melhoradas ou mesmo rejeitadas, nessas nossas circunstâncias? Esta pergunta necessita de uma rápida análise comparando e contrastando o tradicionalismo sagrado de Evola e o fenômeno político estritamente russo.


Contra o Ocidente Moderno

Desde o começo, se torna óbvio que a rejeição do mundo moderno profano e dessacralizado, manifestado na civilização ocidental durante os últimos séculos, é comum tanto para Evola quanto para a totalidade da tradição intelectual russa dos eslavófilos. Autores russos como Homyakov, Kirievsky, Aksakov, Leontiev e Danilevsky, entre os filósofos, assim como Dostoevsky, Gogol e Merejkovsky, entre os romancistas, criticaram o mundo ocidental quase na mesma linguagem em que o fez Evola. Pode-se observar que todos eles possuiam a mesma aversão ao reino da quantidade, ao sistema da democracia moderna, à degradação espiritual e à total profanidade. Assim se veem até mesmo correspondências surpreendentes entre as definições das raízes do mal moderno - a maçonaria profana, o judaismo desviado, o avanço das plebes, a deificação da “razão” – em Evola e na cultura “conservadora” russa. Obviamente, a tendência reacionária aqui é comum a ambos, de modo que a crítica de Evola ao Ocidente está totalmente de acordo com, e é aceitável para a linha de pensamento do conservadorismo russo.

Além disso não raro a crítica formulada em Evola se encontra mais vizinha à mentalidade russa do que à europeia – o mesmo gosto pela generalização, a evocação frequente de motivos mitológicos e místicos, o vivo sentimento do mundo espiritual interior a partir do qual se percebe organicamente a realidade imediata moderna como perversão e desvio. Em geral, para a tradição conservadora russa o estilo da explicação mitológica dos acontecimentos históricos e também contemporâneos é quase obrigatório O apelo ao nível suprarracional ou não-racional, aqui, está em perfeita congruência com o pensamento russo, que faz da explicação racional a exceção, e não a regra. Pode-se, ademais, notar a influência que os conservadores russos exeerceram em Evola: nos seus trabalhos ele frequentemente cita Dostoevsky, Merejkovsky (quem ele conhecia pessoalmente) e alguns outros autores russos. Na outra mão, as frequentes referências que ele faz à Malynsky e Leon de Poncins o fazem retornar parcialmente à tradição contrarrevolucionária tão típica do leste europeu. Pode-se citar também as referências que ele faz a Serge Nilus, o compilador dos famosos “Protocolos dos Sábios de Sião”, que Evola reeditou na Itália. Ao mesmo tempo, fica claro que Evola conhecia relativamente pouco sobre a cultura conservadora russa, e, de fato, ele nem mesmo estava particularmente interessado nela, devido à sua idiossincrasia anticristã. A respeito da tradição ortodoxa ele fez apenas alguns insignificantes comentários. Mesmo assim, a semelhança entre a sua posição sobre a crise do mundo moderno e o antimodernismo do autores russos é dada, amplamente, pela comunalidade das reações orgânicas – excepcionais e individuais, no caso de Evola, e tradicionais, no caso dos russos. Mas graças à espontaneidade das convergências antimodernas o testemunho de Evola se torna ainda mais interessante e mais precioso. Em todo caso, as interpretações de Evola se encaixam perfeitamente nos quadros da corrente ideológica da direita russa, e agrega mais à sua visão da decadência histórica, dando fórmulas novas às vezes mais completas, mais radicais e mais profundas. Sob este aspecto as ideias de Evola são recebidas muito positivamente na Rússia atual onde o anti-ocidentalismo é um fator ideológico e político extremamente potente.

Roma e a Terceira Roma

O outro aspecto do pensamento de Evola é sentido pelos russos como de uma extrema e iminente importância: sua exaltação da Ideia Imperial. Roma representa o ponto principal da Weltanschauung de Evola. Este poder sagrado, vivente e imanente, que se manifestou por todo o Império era, para Evola, a própria essência da herança tradicional do Ocidente. Para Evola, as ruínas do Palácio de Nero e dos prédios romanos eram como um testamento direto de uma sacralidade orgânica e concreta, cuja integridade e continuidade foram aniquiladas pelo “castelo” kafkiano [4] do Vaticano católico guelfo. A sua linha de pensamento guibelina era clara: O Império contra a Igreja, Roma contra o Vaticano, a sacralidade imanente e orgânica contra as abstrações sentimentais e devocionais da fé, implicitamente dualista e farisaica[5].

Mas uma linha de pensamento similar é naturalmente encontrada nos russos, cujo destino histórico sempre esteve profundamente ligado ao Império. Esta noção foi dogmaticamente fixada na concepção ortodoxa do starets Filofei [6] – “Moscou - Terceira Roma” – Deve-se tomar nota que a “Primeira Roma” nesta interpretação cíclica ortodoxa não era a Roma cristã, mas a Roma imperial, porque a “Segunda Roma” (ou “a Nova Roma”) era Constantinopla, a capital do Império Cristão. Portanto, a propria ideia de “Roma” mantida pelos ortodoxos russos, corresponde ao entendimento da sacralidade como a imanência do Sagrado, como “sinfonia” necessária e inseparável entre autoridade espiritual e o poder temporal. Para os tradicionalistas ortodoxos a separação católica entre o Rei e o Papa é inimaginável e expõe uma heresia, este conceito é precisamente chamado de “heresia latina”. Nesta concepção russo-ortodoxa se encontra o ideal puramente guibelino no qual o Império é tão valorizado teologicamente que não se pode conceber a Igreja como algo de estranho e isolado dele. Esta centralidade da sacralidade do Regnum na tradição russo-ortodoxa se baseia na espírtola de Paulo onde se encontra a questão do "katekhon", "aquele que sustenta", identificado precisamente com o Império Sagrado, o último obstáculo contra a irrupção dos "Filhos da Perdição" - equivalentes de Gog e Magog.

Assim a concepção de Moscou-Terceira Roma, que é de todo modo consubstancial ao pensamento tradicional russo, corresponde perfeitamente ao ideal evoliano guibelino. Mais ainda, a denúncia do catolicismo e do seu papel nefasto na decadência do Ocidente em Evola é quase idêntica às acusações dos cristãos ortodoxos contra a "heresia latina". Mais uma vez, pode-se ver a perfeita convergência entre a doutrina de Evola e o pensamento comum da mentalidade conservadora russa. E outra vez mais, a exaltação espiritual e lúcida do Império nos livros de Evola se torna inestimável para os russos em busca da sua verdadeira identidade tradicional. O “imperialismo sinfônico” dos russos ortodoxos reconhece facilmente a própria imagem no "imperialismo pagão", ou melhor dizendo "guibelino" de Julius Evola. Existe um outro detalhe importante que merece ser mencionado aqui. É sabido que o autor de "Terceiro Império” Artur Moeller van den Bruck, foi profundamente influenciado pelos escritos de Fiodor Dostoievsky, para quem o conceito de “Terceira Roma” era vitalmente significativo. É possível ver em Van den Bruck a mesma visão escatológica do “Último Império”, em correspondência simbólica com as ideias paracléticas[7] dos montanistas e com as profecias de Joauqim de Fiore[8].

Van den Bruck, cujas ideias eram algumas vezes citadas por Evola, adaptou o seu conceito de “Terceira Roma” da tradição ortodoxa russa, e aplicou na Alemanha, elaborando o projeto político-espiritual retomado em seguida pelos nacional-socialistas. Um fato interessante é que Erich Müller, o discípulo de Niekisch[9], que fora grandemente inspirado por van den Bruck, comentou certa vez que o Primeiro Reich alemão havia sido católico[10], o Segundo Reich, protestante[11], o Terceiro Reich deveria ser, exatamente, ortodoxo! Mas o próprio Evola participou amplamente nos debates intelectuais dos círculos conservadores-revolucionários alemães (ele era membro do “Herrenklub” de von Gleichen, que era a continuação do “Juniklub” fundado por van den Bruck), onde assuntos similares eram discutidos de uma maneira muito vívida. Eis a outra via intelectual que une a corrente conservadora russa e o pensamento de Evola. Obviamente, não é possível dizer que as suas ideias, nesses problemas particulares, eram idênticas, mas ao mesmo tempo, existem conexões extraordinárias entre os dois que podem ajudar a explicar a facilidade de assimilação das ideias de Evola na Rússia, onde as suas opiniões parecem muito menos extravagantes do que na Europa, onde o conservadorismo tradicional segue majoritariamente católico e nacionalista no sentido moderno, muito raramente imperial e ligado ao sagrado.

Evola visto a partir da Esquerda

Em Evola há outro aspecto muito interessante que se manifesta nas primeiras e últimas etapas de sua vida. Às vezes é descrito como "anarquismo de direita", que é evidente em suas primeiras obras artísticas e especialmente em "Cavalgar o Tigre". Ao mesmo tempo, sua posição antiburguesa consistente e permanente o isola consideravelmente da direita ocidental convencional. Indubitavelmente, em todos os seus escritos é muito saliente o que se poderia tentar chamar de "esquerda" da mensagem evoliana. O anticonformismo total com a realidade ocidental moderna, a contestação radical dos valores burgueses aproxima Evola de certos ramos da esquerda. Esse fenômeno não é a manifestação da sua natureza pessoal. Há um lado sintomático extremamente importante aqui. A Revolta evoliana contra o mundo moderno tem aspectos destrutivos como qualquer revolta. O seu radicalismo intransigente o leva a romper com o conservador habitual que defende os valores de ontem contra os valores de hoje por inércia. Para Evola o "ontem" não é inteiramente ideal. Sua orientação vai muito mais além, na direção do mito primordial, da Hiperbórea perdida, na direção da Transcendência, rumo ao Eterno Presente. Esta busca do absoluto aqui e agora nos obriga a ultrapassar os limites convencionais e também a desintegrar as formas secundárias da Tradição adaptadas ao Kali Yuga. Evola não aceita uma parte do Sagrado, ele quer Tudo, imediatamente. Esta Revolta o faz tomar posições "anárquicas", contestando a legitimidade das formas tradicionais esvaziadas de toda vida. É também a posição autêntica do adepto dos Tantra, que ele explica perfeitamente em "O Yoga do Poder".

Mas, paradoxalmente, a mesma antinomia é típica da corrente da esquerda racial e a fenomenologia existencial e estética das duas revoltas, por mais diferentes que sejam, as une quase perfeitamente num determinado caso. Revolução, guerra, crise, convulsão social sempre provocam um profundo trauma que necessariamente obriga o ser humano a enfrentar a profunda realidade ontológica que supera os clichês profanos da vida "normal". Ernst Jünger, em quem Evola estava muito interessado, desenvolveu em seus romances e escritos políticos este problema do reencontro do homem moderno, profundamente alienado, com a realidade superior em situações de crise extrema. Por outro lado, o próprio Evola passou por períodos de crise pessoal à beira do suicídio. Portanto, a sede do absoluto está em relação lógica com as experiências "negativas" e às vezes "antinômicas". Estas considerações também explicam o interesse de Evola em certos personagens julgados por outros tradicionalistas (Guénon, Burkhardt, etc.) como sendo claramente "contra-iniciáticos" - Aleister Crowley, Giuliano Kremmerz, Gustav Meyrink, etc. À esquerda, especialmente à extrema esquerda, pode-se facilmente encontrar o mesmo complexo, a mesma paixão, a mesma exaltação da experiência traumática e ao mesmo tempo a mesma rejeição do conformismo, a mesma aversão visceral em relação às normas e convenções, a mesma revolta contra o habitual. Por outro lado, a cultura ideológica da "esquerda revolucionária" não está sem combinações esotéricas que às vezes são as mesmas que no caso dos tradicionalistas e da "revolução conservadora". A título de exemplo, citamos Theodor Reuss, ativista de esquerda e iniciador de Guénon na maçonaria!

O lado "esquerdo" da Evola recorda o paradoxo político da Rússia de hoje, onde os neocomunistas, antiliberais, fazem frente comum com os conservadores russo-ortodoxos. Isto também pode ser pensado em certos aspectos do bolchevismo russo histórico, em que as tendências profundas da sacralidade russo-ortodoxa - a aversão ao mundo ocidental burguês, a busca do Regnum, os fatores escatológicos, a experiência direta, revolucionária e imediata da Verdade - se desenvolveram por caminhos heterodoxos e contraditórios. Mais ainda, no alvorecer da corrente comunista russa, havia justaposições esotéricas extremamente curiosas com representantes das correntes espirituais locais e europeias. Pode-se dizer que entre Evola e a Rússia existem não só correspondências ao nível da corrente ideológica "conservadora", "de direita", mas também certos lados da "esquerda" russa, na sua dimensão profunda e paradoxal, podem ser comparados com os escritos de Evola e também esclarecidos graças ao seu método de pesquisa sobre a estrutura dos fenômenos traumáticos. O próprio fato do comunismo ter vencido no país mais conservador e tradicionalista da Europa obriga-nos a rever os esquemas conservadores habituais relativamente à natureza secular e moderna do comunismo, como um estágio avançado na degradação da civilização atual.

Por outro lado, as previsões dos conservadores e contrarrevolucionários (como Léon de Poncin) sobre a necessidade da vitória da quarta casta proletária em todo o planeta são contraditas pelo triunfo atual da civilização burguesa (suposta terceira casta) na Rússia pós-soviética. O próprio Evola cometeu o mesmo erro ao aceitar a posição radicalmente antissocialista e anticomunista dos conservadores reacionários com quem, a um nível metafísico, estava em total desacordo, devido à profunda diferença entre o Caminho da Mão Esquerda que era o seu e o Caminho da Mão Direita que (por vezes) inspira indireta e parcialmente os conservadores convencionais. Em outras palavras, a "esquerda metafísica" em Evola não conseguiu encontrar a manifestação doutrinária consistente no nível político e o lado "anarquista" e "esotérico" permanecem de alguma forma muito contraditórios com sua fidelidade à "reação" política. O mesmo mal-entendido existe em suas relações com o fascismo e o nacional-socialismo, onde ele criticou o aspecto político de esquerda e ao mesmo tempo tentou fortalecer o aspecto "metafísico de esquerda" (insistindo, por exemplo, no paganismo contra as relações com o Vaticano). A história política dos anos 80 e 90 mostra que o comunismo não foi a última forma de degradação da casta. Assim, Evola estava errado ao prever a vitória dos soviéticos e, consequentemente, ao tomar a posição radicalmente anticomunista e não reconhecer o lado paradoxal e algo tradicional da Revolução. Apesar de seu interesse particular em "O Trabalhador" de Jünger, Evola identificou falsamente, seguindo a lógica da direita não-revolucionária, as castas tradicionais com as classes da civilização ocidental.

A este respeito, podemos recordar a advertência extremamente importante de Georges Dumézil de que, na sociedade tradicional indo-europeia, e portanto ariana, os trabalhadores pertencem à terceira casta e não à quarta. Além disso, os comerciantes (ou seja, os protocapitalistas) não pertencem inteiramente ao sistema de castas nesta sociedade e todas as funções de distribuição de bens e dinheiro eram prerrogativa dos guerreiros, os kshatryas. Isto significa que a classe mercante não corresponde de forma alguma à estrutura da sociedade ariana e se sobrepõe historicamente a ela com a mistura cultural e racial. Portanto, a luta antiburguesa dos socialistas possui implicitamente a dimensão tradicional e indo-européia, o que explica perfeitamente as tendências "antijudaicas" (mesmo antissemitas) de um grande número de teóricos socialistas a partir de Fourier, Marx e até Stálin. Esta consideração mostra a justificação do elemento socialista (e também nacional-comunista) nas correntes da Revolução Conservadora - especialmente em Spengler, Sombart, van den Bruck, Jünger e até Niekisch. Não há dúvida de que, com este ambiente alemão de pré-guerra, Evola teve excelentes relações intelectuais, que infelizmente não o ajudaram a desvanecer suas posições e a retificar seus caminhos doutrinários e tradicionalistas. Esta contradição em Evola é notável se compararmos "Orientações" e "O Homens e as Ruínas", por um lado, e "Cavalgar o Tigre", por outro. O "Evola de esquerda" ainda não foi descoberto e reconhecido. Mas mais uma vez - a Rússia e sua história conservadora e revolucionária, paradoxal e reveladora, antiga e moderna nos ajuda a entender Evola em suas ideias explícitas e, especialmente, o sentido implícito de sua mensagem que permanece por descobrir e assimilar. Não só na Rússia, mas neste último aspecto também no Ocidente.

A Questão Cristã

O que coloca os maiores problemas na assimilação dos escritos de Evola na Rússia é a sua abordagem resolutamente anticristã. Segundo ele, toda a tradição cristã é a expressão da degeneração cíclica, raiz da decadência do Ocidente tradicional e da "subversão" do espírito do Sul, da mentalidade "semítica" projetada para o norte ariano da Europa. É nesta questão que existem aspectos inaceitáveis da sua mensagem para o contexto do tradicionalismo russo. Aqui temos de distinguir, pelo menos, dois aspectos diferentes do problema.

1) Por um lado, Evola conhecia sobretudo a forma católica da tradição cristã - aquela que era própria do Ocidente. Aqui a crítica severa de Evola ao papel do cristianismo ocidental no processo de queda da civilização europeia é muito justa (embora não sem certas generalizações infundadas). Além disso, do ponto de vista da Igreja Ortodoxa, e especialmente do ponto de vista da Igreja russa depois da queda de Constantinopla e da adesão do Patriarcado de Constantinopla à Unidade Católica, as mesmas razões são frequentemente encontradas na denúncia da "heresia latina". O devocionismo, o racionalismo escolástico e o papismo do Vaticano são objetos de constantes críticas da Ortodoxia contra o catolicismo, com mais ou menos as mesmas conclusões sobre a responsabilidade do "desvio católico" na dessacralização do todo europeu que chegou à rejeição quase total da tradição e ao advento da era secular. A tradição cristã ortodoxa difere muito da tradição católica em seus pontos dogmáticos, rituais e (o que é mais importante no nosso caso) metafísicos essenciais. O espírito ortodoxo é contemplativo, apofático, hesicasta, comunitário e resolutamente anti-individualista. O propósito claramente declarado da Ortodoxia é a "deificação" do homem através do ascetismo descrito em termos puramente esotéricos e usando procedimentos iniciáticos. Esta forma de deificação é absolutamente diferente da mística exotérica do Ocidente, onde o humanismo é exaltado. É a visão tradicional da realização metafísica. Em outras palavras, a Ortodoxia não é a religião entendida no sentido de Guénon (mais tarde retomado por Evola), porque não visa a "saúde da alma individual", mas a realização puramente espiritual e metafísica - portanto supraindividual e suprapsíquica. A Ortodoxia não é o exoterismo que requer a existência de sociedades iniciáticas externas para alcançar uma completa realização espiritual (a ausência histórica de sociedades iniciáticas fora da Igreja em países ortodoxos testemunha isso de uma maneira surpreendente). Pelo contrário, é a tradição completa que engloba o esoterismo e o exoterismo, como no caso do Islã. O exemplo mais próximo a este detalhe da Igreja Oriental é encontrado no xiismo iraniano, onde já não há uma clara distinção entre o domínio esotérico e o exotérico (a este respeito, ver Henri Corbin "L'homme de la lumiere"). A diferença essencial entre as tradições católica e ortodoxa torna a posição anticatólica e "antiguelfa" de Evola totalmente compreensível e aceitável. Além disso, certas objeções formuladas por Evola contra a insuficiência metafísica da atitude da Igreja Ocidental ajudam muito os ortodoxos a se encontrarem conscientemente em sua própria tradição, algo de que o catolicismo fatalmente carece.

2) O outro aspecto deste problema consiste na rejeição por Evola da tradição cristã primordial, em seu desprezo pela natureza do cristianismo primitivo que ele sempre descreveu como "plebeu", "semita" e pré "antitradicional". Ele está definitivamente inscrito na tradição romana pré-cristã e anticristã, repetindo em termos gerais as acusações contra a Igreja feitas por filósofos pagãos e neoplatônicos. Ele extraiu certos elementos das fontes anticlericais maçônicas através de Arturo Reghini e assim por diante. Ele tende a identificar a tradição cristã com a tradição judaico-cristã, o que é apenas parcialmente correto e historicamente se aplica acima de tudo à origem e particularidade da tradição estritamente católica, tanto que a Igreja Oriental (ou as Igrejas Orientais) deve ser qualificada como helenístico-cristã. (Uma excelente análise desta diferença fundamental pode ser encontrada entre autores russos como Nikolaev "V poiskah sa Bojestvom", V. Lossky "Theologie mystique" e mais recentemente também os autores franceses Jean Bies "Voyage au monte Athos" e Michel Fromaget "Corps, ame, esprit"). A tradição da devoção passiva, da busca da salvação individual, o igualitarismo póstumo, etc., não caracterizam a essência da Tradição Cristã contrariamente às afirmações da Evola. Mas este é um assunto demasiado complexo para ser tratado neste documento. É apenas de notar que, aos olhos dos cristãos orientais, este aspecto da crítica de Evola não só não é aceitável, como permanece difícil de compreender, porque os motivos estritamente judaico-cristãos são muito raros e marginais na Ortodoxia. A Igreja Bizantina e depois da sua queda, a Igreja Russa herdou a parte mais sublime da tradição helênica, incorporando-a no conjunto harmonioso da Revelação Evangélica. Na Igreja Oriental os apóstolos "gnósticos" e contrajudaicos são particularmente venerados - São Paulo, João o Apóstolo, André (padroeiro da Igreja Russa), e assim por diante. Pelo contrário, São Pedro ou São Tiago (os pólos judaico-cristãos do cristianismo primitivo) possuem papéis secundários. O espírito da Igreja oriental permanece muito marcado pelo marcionismo ou pelo monofitismo implícito. Cristo aqui é, antes de tudo, o Pantokrator e o Czar, o Deus da Segunda Vinda, terrível e onipotente. É também o espírito aristocrático e ascético ativo e heróico. A culminação da afirmação consciente desta natureza da Igreja oriental foi a santificação de São Gregório de Palama, o eminente esoterista cristão cuja doutrina hesicaísta da Luz Incriada e da deificação escandalizou os católicos como o setor pró-católico da Ortodoxia. Este mesmo hesicaísmo é próprio da maioria dos santos russos - S.Serge de Radohej, S.Nil Sorsky etc., até os artistas dos ícones - Andrei Rublev recentemente canonizado como santo pelo Conselho da Igreja Ortodoxa Russa. Assim, na rejeição absoluta do cristianismo enquanto tal, Evola representa um sério obstáculo à sua assimilação pelo tradicionalismo russo. A aceitação literal do seu apelo a um regresso ao paganismo só teria efeitos ridículos devido à ausência total na Rússia de restos da tradição pré-cristã eslava, cujas melhores partes se encontram mais na particularidade da tradição ortodoxa especificamente russa do que nos fragmentos inconsistentes de mitos e cultos cujo significado e lógica são completamente esquecidos. A adaptação do anticristianismo de Evola à realidade russa pode ser produzida através da aceitação de sua crítica ao catolicismo, ao espírito judaico-cristão com a busca simultânea dos aspectos positivos - heróico e viril - dentro da própria tradição ortodoxa e, sobretudo, em seu domínio esotérico, no simbolismo dos ícones, no hesicaísmo, nos procedimentos iniciáticos da deificação. Pode-se concordar com a rejeição do espírito "semita" e com o louvor do espírito "ariano" e "helênico". Mas na Rússia tudo isso é obrigado a permanecer dentro da estrutura da Ortodoxia Cristã, porque tais são as condições históricas e "geográfico-sacrais" da civilização russa.

As Raízes Hiperbóreas dos Eslavos

Há em Evola um aspecto extremamente importante em relação às origens hiperbóreas da Tradição. A mesma idéia é encontrada em outros tradicionalistas, especialmente em Guénon e B.G. Tilak e também no ensaísta alemão Hermann Wirth. Por outro lado, Evola fala de Guénon e Wirth como dois dos três personagens que o influenciaram mais do que outros (o terceiro foi Guido de Giorgio). Este é o ponto fundamental da sua doutrina. O grande mérito de Evola reside no fato de que ele tentou reavivar o mito hiperbórico, de propô-lo como uma realidade espiritual concreta, como orientação por excelência não só na pesquisa esotérica, mas também como fator metapolítico e quase existencial. Esta reativação do argumento hiperbóreo é o aspecto mais surpreendente de sua Weltanschauung. Mais uma vez, esta idéia de Evola aparece extremamente próxima ao tradicionalismo russo, porque o povo russo, sendo um povo indo-europeu, e portanto ariano, deve tomar necessariamente consciência  de seu passado mais distante, a fim de reafirmar sua identidade e encontrar em si a essência espiritual.

É preciso reconhecer que, apesar de sua importância fundamental, essa pergunta dificilmente foi feita com seriedade no tradicionalismo russo, exceto por alguns insights muito vagos de ensaístas pré-revolucionários que lidaram com as origens dos eslavos. A visão tradicional das origens pressupõe o conhecimento de leis cíclicas e correspondências cósmicas. Neste caso, o trabalho da Evola fornece-nos muita informação valiosa sobre o assunto. O próprio Evola estava bastante interessado no estudo das influências hiperbóreas na Europa Ocidental e no Oriente Próximo, aplicando os métodos de Guénon, Bachofen e Wirth para reconstruir a tipologia cíclica das civilizações desde a Idade de Ouro até os dias atuais ("Revolta contra o mundo moderno"). Em seus trabalhos dedicados ao problema das "raças espirituais", ele concretizou certos dados tradicionais sobre os tipos de homens europeus em suas particularidades físicas, psíquicas e espirituais. Em todos os lugares ele enfatizou a centralidade do tipo "hiperbóreo", "nórdico" e "apolíneo". Esta pesquisa nos ajuda a compreender as relações que existem entre a dinâmica histórica (entendida na perspectiva tradicional) e o status quo crítico de nossa situação moderna. Ele traçou as linhas gerais do itinerário das correntes hiperbóreas na correspondência com os grupos e regiões étnicos europeus. Obviamente, tudo isto se aplica sobretudo à realidade euro-ocidental ou mediterrânea. Os espaços étnicos e geográficos do nordeste da Eurásia permanecem fora do quadro da sua investigação. Mas o método e os princípios de investigação desenvolvidos pela Evola, bem como o exemplo da sua aplicação à realidade concreta, dão-nos a oportunidade de fazer um trabalho semelhante em relação à Rússia e às suas ligações com as tendências hiperbóreas. Pode ser dito que Evola é, neste assunto, extremamente importante para a Rússia porque ele abre vias de pesquisa das origens primordiais que eram desconhecidas e quase impensáveis antes dele. Esta é outra razão do grande interesse por Evola na Rússia, onde ele inspira fortemente os "estudos hiperbóreos" aplicados à Rússia e à Eurásia. (A título de exemplo, pode-se citar A. Dugin "Continente Rússia", Parma, Ed. del Veltro, 1991, e do mesmo autor "Rússia - Mistério da Eurásia", Madrid, livro do Grupo 88, 1992, onde se tenta definir as linhas do estudo "hiperbóreo" da Eurásia).

Evola e o Império Euro-Soviético de Jean Thiriart 

A adaptação das ideias de Evola à Rússia e a descoberta através do seu método tradicional da sacralidade russa, levanta uma série de questões interessantes sobre a doutrina da Terceira Via em geral, tanto a nível metafísico como a nível geopolítico e político. Estes dois níveis estão sempre intimamente ligados e a própria vida de Evola testemunha a importância absoluta de descobrir esta correspondência "natural" e sagrada que o mundo moderno sempre tende a negar ou esconder. No compromisso político de Evola não há nada de casual ou convencional. As suas ideias esotéricas e as suas opiniões políticas estão em perfeita harmonia. Ele é um extraordinário exemplo de coerência e firmeza de espírito diante do caos moderno que sempre busca desviar os homens em sua busca da verdade. Pode-se dizer que existe uma lógica notável entre o tradicionalismo metafísico de Evola e a sua defesa da ideia política imperial, antimoderna, "hiperbórea" e europeia. Sua posição ideológica parte diretamente da identificação das duas formas de degradação espiritual do Ocidente no capitalismo americano (o pólo ocidental) e no comunismo soviético (o pólo oriental). Assim, politicamente ele é contra o mundo burguês e o mundo socialista, geopoliticamente ele é contra o extremo Ocidente (Estados Unidos, França, Inglaterra, portanto, os países atlantistas) e contra o Oriente comunista (o bloco socialista euro-asiático). Daqui deriva logicamente uma certa simpatia inegável, embora matizada, pelo fascismo e pelo nacional-socialismo a nível político e pela defesa da Europa Central germânica a nível geopolítico. Nesta visão muito coerente, a Rússia (e o mundo eslavo) ocupam politicamente, geopoliticamente e também racialmente a posição do inimigo natural, daí esta afirmação extrema de que "os eslavos nunca tiveram a tradição" ("Heidnischer Imperialismus").

Pode-se supor que esta visão geopolítica teve em Evola os fundamentos na geografia sagrada ou melhor, em uma certa versão da geografia sagrada própria do Ocidente imperial primeiro helênico, depois romano e finalmente germânico que via nos espaços eurasiáticos as terras da barbárie, povoadas pelos "untermenschen" tártaro-eslavos. Esta mesma concepção foi retomada pelo catolicismo ocidental, especialmente depois do cisma. Este terceiro-posicionismo de Evola (nem Ocidente, nem Oriente - Europa) está intimamente ligado aos outros aspectos já mencionados que impedem que sua doutrina seja plenamente e sem nuances integrada ao tradicionalismo russo-ortodoxo. A avaliação do socialismo como algo essencialmente antitradicional vai de mãos dadas com a baixa estima pela civilização eslava. Estes dois aspectos estão intrinsecamente ligados. Se no caso de Evola há uma correspondência direta entre a visão metafísica e a doutrina política, houve outros representantes da mesma tendência política que seguiram a mesma linha sem nenhuma referência esotérica, mas em plena conformidade com os princípios que eles mesmos ignoraram totalmente. O terceiro-posicionismo geopolítico e político do Terceiro Reich (que, infelizmente, não foi o de van den Bruck, mas o de Adolf Hitler) e, em menor medida, o Estado fascista italiano fundaram a sua ideologia, em termos gerais, na mesma base doutrinal. Daí o ataque contra a URSS e a guerra contra as potências atlantistas - Inglaterra e Estados Unidos. Pode-se dizer que a mesma visão é adequada até agora aos círculos da extrema-direita europeia, independentemente de os seus representantes lerem ou não "Orientações" ou "O Homem e as Ruínas", para não falar da "Revolta Contra o Mundo Moderno". É positivo recordar o caso extremamente interessante da evolução política da ideologia da "Jovem Europa" de Jean Thiriart, que pertencia a estes movimentos de extrema-direita da terceira via no sentido mais amplo do pós-guerra, tentando aplicar o conceito de pátria na realidade concreta de uma Europa democrática e desnazificada. O Thiriart dos anos sessenta representava a versão "secularizada" e "racionalizada" da doutrina de Evola, privada de seus lados metafísicos, mas preservando a coerência puramente política. O próprio Evola cita Thiriart em "O Homem e as Ruínas". Thiriart começou com a fórmula estreita "Nem Ocidente, nem Oriente - Europa Imperial", portanto com a fórmula idêntica à visão de Evola.

Durante as décadas de 1970 e 1980, depois de se retirar das lutas políticas, Thiriart chegou à conclusão de que os dois termos negativos desta fórmula já não são iguais. Ele reconheceu no sistema socialista soviético muito mais afinidades com seus ideais do que no mundo capitalista. A mesma coisa que ele encontrou nas correntes da Revolução Conservadora Alemã, no fascismo de esquerda europeu e italiano, na República Social e também no nacional-bolchevismo russo, etc. A partir disso, ele proclama o slogan um tanto provocador do "Império Euro-Soviético de Vladivostok a Dublin", afirmando assim a compatibilidade política e geopolítica da terceira posição europeia com o socialismo eurasiático. Estas ideias influenciaram grandemente o ambiente nacional-revolucionário das correntes políticas europeias. Note-se que tudo isto foi feito no espírito do mais frio pragmatismo político, sem qualquer apelo à Tradição. Mas pode-se, pelo menos teoricamente, encontrar a exata correspondência metafísica com a operação geopolítica de Thiriart. Isto significaria uma revisão do pensamento evoliano do ponto de vista "eurasista" e da perspectiva do tradicionalismo russo-ortodoxo. Assim como Thiriart permaneceu fiel ao seu primeiro impulso de empenho político (ele era, por outro lado, um soldado das SS), mudando completamente sua visão geopolítica, também se pode permanecer fiel à profunda essência metafísica da mensagem de Evola, adaptando alguns aspectos dela à visão "eurasiática" com todas as implicações necessárias. Thiriart e também alguns representantes da Nova Direita europeia e das correntes nacional-revolucionárias optaram resolutamente pela designação do inimigo único absoluto que é o capitalismo cosmopolita e o domínio geopolítico dos Estados Unidos. O campo socialista tem sido percebido como "o possível aliado". Se esta avaliação política for transposta para o mais alto nível espiritual, levará a uma apreciação sumariamente positiva da tradição ortodoxa russa, à descoberta do componente eslavo do todo indo-europeu e também ao reconhecimento no bolchevismo russo das tendências anti-modernas e de alguma forma tradicionais. Neste caso, chegaremos à fórmula "Oriente contra Ocidente", "socialismo nacional e socialismo contra o capitalismo", "eurasistas contra atlantistas", "Rússia com a Europa germânica e continental contra os Estados Unidos e os países anglo-saxões" e assim por diante. Ao mesmo tempo, as idéias de Evola estão sendo revisadas, o que corresponde exatamente à leitura "russa" de seus escritos (mais a acentuação de seu aspecto revolucionário de "esquerda").

Terceira Roma, Terceiro Reich e Terceira Internacional mostrar-se-ão subitamente como símbolos intimamente ligados, como as três formas diferentes mas complementares da Revolta contra o Mundo Moderno - nem sempre conscientes das suas implicações transcendentes e por vezes distorcidas e mesmo parodísticas. Mas talvez na idade das trevas em que nos encontramos, nesta Kali Yuga, não se deva esperar da realidade exterior as realizações brilhantes e sublimes das verdades tradicionais. Certos aspectos repugnantes das ideologias contemporâneas e sobretudo a sua implementação podem, por vezes, esconder tesouros espirituais como os "guardiões do limiar" da tradição tibetana, monstruosos e agressivos, guardam o precioso repositório da Tradição (esta metáfora já foi utilizada pelo prof. Claudio Mutti relativamente ao aspecto externo dos regimes comunistas; importa salientar que ele próprio é um tradicionalista guenoniano e evoliano, russófilo e ao mesmo tempo admirador das ideias de Jean Thiriart!). Pode-se acrescentar que, apesar de muita comparação em relação ao lado esotérico do nacional-socialismo e de muitas palavras severas sobre ele, o próprio Evola aceitou a participação na luta intelectual precisamente neste campo ideológico, tentando "corrigir os nomes" (segundo a expressão esotérica da tradição chinesa) e abrir as perspectivas do autêntico tradicionalismo, não de fora, mas de dentro do movimento que representava, ainda que grosso modo, a Revolta pelo Absoluto. Assim, os "guardiões do limiar" do neo-espiritualismo ariosofista não impediram que Evola se misturasse ativamente na luta espiritual ao lado dos nacional-socialistas. É preciso reconhecer que o próprio Evola não fez uma evolução semelhante à de Thiriart. No entanto, o fato é que seu último livro doutrinário é "Cavalgar o Tigre" e não "Orientações". O Império Euro-Soviético de Vladivostok a Dublin, o campo da revolta paradoxal dos eurasistas "vermelho-marrons" em busca do Regnum, é totalmente oposto à modernidade - a esta modernidade que se concretiza escatologicamente na "dominação absoluta do capital" e na "mentalidade semítico-mercantil", no advento final do tipo social, que não pertence nem à terceira nem à quarta casta indo-européia tradicional - tudo isso pode ser deduzido da leitura "russa" de Evola, da leitura "revolucionária" de Evola, que desintegra o escolasticismo tradicionalista impotente e acadêmico e revive seu espírito, que, além disso, não está morto.

Conclusão


Julius Evola foi um homem brilhante. Mais ainda, ele foi o homem arquetípico que viveu em seu destino pessoal o destino da Tradição em meio à escuridão escatológica. O seu legado é mais do que precioso. Seus erros são tão significativos quanto suas revelações autênticas. Ele testemunhou a qualidade da realidade atual, mostrando heroicamente a orientação que vai além. A sua mensagem é necessária para a Europa. Ele também é necessário para a Rússia ao passar pelo seu momento histórico crucial em que a questão da sua identidade tradicional e sagrada surge em cada alma russa. Graças à luz de suas idéias, mesmo que não concordemos com todas elas, podemos restaurar nossa tradição metafísica, encontrar as chaves esquecidas ou perdidas. Isto explica a popularidade de Evola na Rússia atual. Isso também explica a razão das polêmicas apaixonadas que provocam as traduções de seus livros e artigos. O encontro da Rússia com Evola não é uma questão de erudição, extremismo político marginal ou uma questão de "espiritualistas". Os aspectos que Evola toca são as realidades vivas, as forças sagradas que despertam em antecipação à "Ação Transcendente" da qual Evola falou profeticamente em seus primeiros livros. Evola é o último herói do Ocidente. Mas sabe-se que do ponto de vista escatológico "o último é sempre o primeiro". Assim, a mensagem de Evola conclui um certo ciclo, mas abre o outro - esperemos que este seja o ciclo da Revolta Absoluta contra o mundo moderno.
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[1] Samizdat foi um sistema na antiga URSS em que os livros oficialmente “impermissíveis” circulavam pelo país; estes eram cópias de cópias e não tinham boa qualidade, mas eles tendiam a chegar ao seu objetivo.

[2] Um escola religiosa/filosófica fundada pela ocultista russa Helena Blavatsky.

[3] Um conceito teosófico relacionado à todos os fenômenos mentais; C.G. Jung também o discutiu ocasinalmente.

[4] Para aqueles que não estão familiarizados com o trabalho de Kafka, esta é uma referência para o seu livro chamado “O Castelo”, que é sobre um homem que contrai o que deveria ser uma trabalho relativamente fácil num lugar distante, fazendo o levantamento das terras de um nobre local, mas que não consegue começar ou muito menos completar o seu trabalho, devido à burocracia imposta pelo seu próprio empregador (que ele nunca conhece pessoalmente, apenas por um representante ou representante de um representante) e que se frustra muito pelo fato de que o imenso e opressivo castelo do Conde pode ser visto de qualquer parte da cidade, mas ele não consegue nunca ir até lá para começar a sua tarefa. Obviamente, esta é uma acusação metafórica contra a totalidade do sistema judaico-cristão e como ele se relaciona com uma aparentemente impossível salvação. Da mesma forma, “Guelfo” se refere à uma coalisão alemã/italiana da Idade Média que apoiava a casa real de Guelfo contra a Dinastia Imperial Alemã dos Guibelinos, que era hostil ao Papa e ao Catolicismo.

[5] Referete aos Fariseus, hipocrisia, duplicidade, falsidade, fingimento.

[6] Os starets eram conselheiros espirituais, mas não sacerdotes: Rasputin poderia ser considerado como um.

[7] Os montanistas foram os precursors das seitas pentecostais modernas, i.e., aqueles que acreditam em revelações divinas pessoais e falar em linguas diferentes.

[8] de Flora era o Abade de Corazzo que completou um ensaio bastante presciente sobre a “era da razão”, por volta de 1200, onde ele escreveu “no novo dia, homens não dependerão da fé, porque tudo será fundamentado no conhecimento e na razão.”

[9] Ernst Nikisch, um nacionalista alemão da mesma época.

[10] o Sacro Império Romano-Germânico

[11] a Prússia sob o governo de Frederico, o Grande