13/07/2012

O "Projeto do Novo Século Americano", ou o Núcleo do Neoconservadorismo Americano

por Ernesto Milà



O "Projeto para o Novo Século Americano" fundou-se em 1997 por um grupo de estrategistas neoconservadores, a maioria deles residentes na capital federal. O objetivo é "concentrar esforços para preparar a nova liderança mundial dos EUA". Essa vontade não se oculta desde a primeira frase do manifesto fundacional: "a política externa e de defesa americanas está à deriva", assim pois, se trata de reivindicar "uma política reaganiana de fortalecimento militar e clareza moral". O objetivo fundamental de tal projeto é "liquidar a questão iraquiana"...porém está claro que o projeto vai muito mais longe desse objetivo conjuntural.

O nome original do grupo é The Project for the New American Century, mais conhecido nos EUA por suas siglas PNAC e cujo nome corresponde em português a "Projeto para o Novo Século Americano". A declaração fundacional está firmada por influentes figuras como Dick Cheney, Jeb Bush, Lewis Scooter Libby, Dan Quayle, Donald Rumsfeld, e Paul Wolfowitz. A maioria dos assinantes, haviam pertencido às administrações republicanas de George Bush e Ronald Reagan. Ao PNAC não agrada falar sobre si mesmo, mas quando está obrigado a fazê-lo (era impossível que passasse despercebido para os analistas minuciosos), lhe agrada se apresentar como "uma equipe de homens experientes no exercício do poder" que formam "uma organização educativa sem fins lucrativos" e cujo leitmotiv fundacional ninguém nos EUA condenaria, pois sustentam "que a liderança dos EUA é boa tanto para os EUA como para o mundo; que essa liderança requer poderio militar, energia diplomática e compromisso moral". Sua atividade pública se realiza mediante a organização de seminários e conferências e pela publicação de documentos para explicar "o que a liderança americana entranha". Assim mesmo dispõem de um sítio.

William Kristol, Presidente do PNAC

Oficialmente tendem a agrupar "vontades de cidadãos norteamericanos que apoiem uma política vigorosa de implicação internacional dos EUA". Quando alguém lhes pergunta sobre suas próximas atividades, costumam responder que estão realizando "debates úteis em torno da política externa e de defesa e sobre o papel dos EUA no mundo". Algo que, em princípio, não parece excessivamente inquietante.

Não obstante, quando sabemos que seu presidente é William Kristol, as coisas deixam de estar tão claras. Kristol era, entre outras atividades, assessor da companhia Enron que protagonizou a quebra fraudulenta mais multimilionária na história dos EUA. De Kristol é necessário recordar que era o "cérebro de Dan Quayle", vicepresidente dos EUA com Bush. Kristol destacou-se desde então como politólogo (licenciado em Harvard) ultra-conservador, professor de Ciências Políticas, atual conselheiro principal da ala neo-conservadora do Partido Republicano dos EUA, jornalista e diretor do semanário "Weekly Standard". Nesse semanário de circulação restrita e discreta, porém não por isso menos influente, Kristol dá vez a Robert Kagan, outro dos estrategistas também influentes, da administração Bush, aos quais nos referimos. Seu pai, Irving Kristol, havia sido outro proeminente conservador, editor de "Public Interest" que apoiou a campanha anticomunista do senador McCarthy. Junto com Norman Podhoretz fundaram o University Center for Rational Alternatives, organização de caráter ultraconservador. Inicialmente colaborou com os democratas, porém em 1976 se fez republicano. Após uma breve estadia do jovem Kristol no Partido Democrata, passou ao Republicano e teve um cargo de segunda linha na Administração Reagan, para ser logo o "cérebro de Dan", vicepresidente com George Bush. Quando se desmontou a administração conservadora e subiu Bill Clinton à presidência, Kristol passou à iniciativa privada. Ali, no mundo das comunicações, conheceu ao magnata Rupert Murdoch o qual financiou seu "Weekly Standard", apesar da tiragem pequena e das perdas elevadas que se mantém até hoje ainda que as perdas continuem ocorrendo. Valia a pena porque foi ganhando influência no Partido Republicano, especialmente a partir de 1994 quando publicou seu documento "Project for the Republican Future". Este trabalho e o apoio da fundação Bradley lhe conduziu à Casa Branca. Em sua qualidade de presidente do PNAC, uma das primeiras atividades de Kristol foi solicitar à Comissão de Defesa da Câmara de Representantes um aumento de 100 bilhões de dólares para reforçar a defesa dos EUA e manter sua presença no exterior, para isso é preciso - sempre segundo Kristol - aumentar o orçamento de defesa a uns 3,5% (15 a 20 bilhões de dólares) manter a capacidade nuclear dissuasiva dos EUA, aumentar em 200.000 homens as suas Forças Armadas, modernizar o arsenal norteamericano, especialmente das Forças Armadas, renunciar a alguns planos defensivos propostos pela administração Clinton (e que coincidem com as propostas da Doutrina Rumsfeld), desenvolver o programa da "Guerra das Estrelas" (escudo antimísseis), controlar os espaços aéreos e o ciberespaço.

Até o 11 de Setembro, todas essas idéias não eram levadas excessivamente a sério, nem mesmo nas altas esferas do Partido Republicano que seguia decantado pelo velho conservadorismo isolacionista moderado. A derrubada do World Trade Center fez com que os moderados ficassem desprovidos de argumentos e tivessem que ceder à nova estratégia imposta pelos cérebros neoconservadores; as "águias", a partir desse momento, dominaram na cena republicana e na administração. Os Rumsfeld, Wolfowitz, Perle, Cheney, e o próprio Kristol, passaram a constituir o núcleo duro da administração Bush. O semanário de Kristol, a rede Fox, o Instituto de Empresas Americanas presidido por Cheney e o PNAC, passaram a difundir a campanha patriótica que prosseguiu desde os atentados de 11 de Setembro, deformando a autoria do crime, lançando constantemente ameaças de falsos alarmes de novos ataques e instigando a guerra contra o Iraque e a passividade perante Israel.

É importante recordar que sem os fatos do 11 de Setembro o programa do PNAC jamais teria podido passar do estado de projeto irrealizável. São os atentados do 11 de Setembro e somente eles que permitem "adiantar as linhas" norte-americanas, primeiro ao Afeganistão e logo ao mais importante Iraque. Por que são as pessoas do PNAC as que elaboram e impõem sua linha política e seus objetivos à administração Bush, a qual, sem eles, seria na atualidade, uma administração órfã de tutelas políticas e sem outra tutela ideológica que o conservadorismo furibundo e míope dos cristãs renascidos e dos "reverendos" furibundos. Em efeito, estes últimos garante os eleitores, porém é o PNAC quem maneja o leme da administração.

Por certo, Kristol, é membro do Conselho de Relações Exteriores, CFR, assim como todos os membros proeminentes do PNAC.

Objetivo Prioritário: "Resolver" a Questão Iraquiana

O fato que motivou aos neoconservadores que fundaram o PNAC foi o fim da Segunda Guerra do Golfo no Iraque. Com o poder de Saddam Hussein debilitado, os neoconservadores acreditaram que ele seria eliminado permanentemente. Ao contrário, o anterior presidente Bush animou à oposição iraquiana a alçar-se contra o governo do Baas. Como sua rebelião foi esmagada pelo exército iraquiano, Bush ordenou ao exército dos EUA que não interviesse, erigindo, ao contrário, uma estratégia de "contenção" em relação a Saddam.

Em 1992, Paul Wolfowitz, então Vice-Secretário de Defesa, redigiu um escrito sobre o futuro da hegemonia norte-americana no mundo e como se poderia preparar para confrontar o fim da Guerra Fria. O documento, de caráter interno, tardou em se filtrar, porém, finalmente se soube que o centro das reflexões de Wolfowitz giravam em torno à possibilidade de que surgisse um rival que substituísse à URSS. Sendo assim, era preciso que os EUA estivessem em condições de identificá-lo, isolá-lo, e minimizar seu poder. Este documento, na prática, está na origem do manifesto PNAC e será recordado nos anos vindouros como o embirão da doutrina que logo Bush aplicou desde a presidência.

Em setembro de 2000 aparecia o docuento do PNAC "Reconstruindo as Defesas dos EUA: Estratégia, Forças e Recursos para um Novo Século" (a partir de agora RAD, como é conhecido nos EUA). Este documento se apoia no de Wolfowitz e desde suas primeiras linhas reconhece essa paternidade: "um anteprojeto para manter a proeminência dos EUA, excluir a emergência de uma grande potência rival e redesenhar a ordem de segurança internacional de acordo com os princípios e interesses americanos". Em síntese, o documento rechaça os cortes nos gastos de Defesa e define a missão dos EUA como uma luta contra "grandes ameaças de guerras múltiplas e simultâneas". Não há que esquecer que, nesses mesmos momentos, Rumsfeld havia elaborado o essencial do que na época se conhecia como "Doutrina Rumsfeld" e que ia em direção parecida.



A Doutrina Rumsfeld

No fundo, a chamada "Doutrina Rumsfeld" apenas é outro nome para um programa de modernização das Forças Armadas norte-americanas. Não obstante, é evidente que uma modernização em profundidade, deve se fazer em função dos objetivos estratégicos a alcançar. E nesse sentido, dita doutrina não é senão, em última instância, um programa que desenha a orientação em política externa da administração Bush. Há em dita doutrina elementos que concernem exclusivamente às Forças Armadas, porém, na medida em que dito exército é a ponta de lança de uma política expansionista de caráter mundial, estamos diante de uma obra excepcionalmente clara e que no fundo não é senão um desenvolvimento complementar e uma atualização da Doutrina Brzezinsky, aplicada à reorganização das Forças Armadas.

Desde a Segunda Guerra Mundial até praticamente nossos dias, o Atlântico tem sido considerado praticamente como um oceano anglo-saxão e o centro do comércio mundial, como antes foi o Mediterrâneo. Não em vão, inicialmente, a OTAN orientava sua atividade ao Atlântico Norte. Não obstante, Rumsfeld adverte que boa parte do crescimento econômico internacional se deslocou em direção ao Oceano Pacífico.

Nessa zona se está concentrando uma acumulação de forças produtivas sem precedentes na história. Pensemos no colosso chinês e em seu crescimento econômico sustentado já há dez anos, especialmente concentrado na Manchúria e nas zonas costeiras de seu Leste, pensemos nos chamados "tigres asiáticos" ou no desenvolvimento discreto porém constante da Austrália, na costa Oeste dos EUA, especialmente na Califórnia e no Chile, pensemos no Japão, inclusive pensemos em que o Pacífico é o oceano com maiores riquezas naturais submersas e com o menor índice de exploração, e o que teremos como resultado é que o eixo da economia mundial se está deslocando para o Pacífico e que, em qualquer caso, o crescimento demográfico daquela zona gera a possibilidade de abrir mercados promissores que, ademais, estão próximos às fontes de matérias-primas.

Porém a geografia do Pacífico, caracterizado pela dispersão dos territórios em ilhas mais ou menos pequenas, salvo Austrália e Nova Zelândia, faz com que se modifiquem os critérios militares. Em efeito, nessas zonas as grandes formações blindadas que seriam efetivas nas planícies centro-européias, resultam completamente inúteis nas ilhas do Pacífico. Ali se trata de responder ao desafio gerado por grandes distâncias e pequenas ilhas. No mais, o mais importante dessa estratégia consiste em reconhecer que após a queda da URSS, a OTAN já não pode ser a ponta de lança das Forças Armadas dos EUA e a frente da Europa Central carece de interesse militar. A um novo teatro de operações corresponde a escolha de um novo inimigo; este inimigo é a China.

Durante os primeiros meses de governo de Bush, essa doutrina foi posta em prática sistematicamente. Aumentaram-se os voos de espionagem sobre a China, até o ponto de que um dos aviões Awac acabou danificado e derrubado. Os dissidentes chineses do Falung Gong e o Dalai Lama receberam novos impulsos para predicarem por todo o mundo sobre as carências dos direitos humanos na China. Os EUA tentaram melhorar suas relações com a Rússia em face de uma aliança anti-China. A China respondeu facilitando tecnologia anti-aérea para o Iraque que evidenciou sua eficácia um mês depois que Bush prestasse seu juramento. Foi então, em um dos rotineiros bombardeios sobre a "Zona de Exclusão", quando os aviões perceberam uma maior capacidade de resposta das baterias anti-aéreas iraquianas.

O 11 de Setembro fez com que essa orientação anti-China se atenuasse, porém não completamente. A prioridade passou a ser o controle mundial dos recursos energéticos, em particular do petróleo. Porém a Doutrina Rumsfeld seguiu inspirando a política americana de defesa. A prova é que Bush, em várias ocasiões, desmentiu que a China fosse "sócio estratégico" dos EUA, mas sim que, com muito mais vigor que a União Européia, a China tenderá a ser cada vez mais um "competidor estratégico".

A estratégia de "luta antiterrorista" gerada pela administração Bush não deve nos fazer esquecer que tal luta é uma mera desculpa para adiantar as forças de intervenção norte-americanas lai onde existe um interesse estratégico.

Nesse contexto, a "luta antiterrorista" é um mero espantalho para operações táticas menores (a invasão do Afeganistão, o ataque contra o Iraque, as escaramuças com a Coréia do Norte, etc.) que cobrem o objetivo maior: a isolação, e portanto a neutralização, da China.

De fato, pode se entender a coexistência desses dois níveis de objetivos. Rumsfeld, quando iniciou sua teorização e Bush quando a aceitou, se encontraram com a oposição do complexo militar-industrial que veria minguados, em um primeiro momento, seus benefícios. Rumsfeld, em efeito, estava propondo era uma redução dos gastos de defesa, propondo armamentos muito mais simples que os utilizados até então. Enquanto que o Pentágono sustentava em fins de 2000 que seu orçamento tinha praticamente que duplicar, se pretendia prolongar a hegemonia americana, Rumsfeld propunha justamente o contrário: estabilizar o orçamento de defesa, otimizando investimentos, precisamente para alcançar o mesmo objetivo.

Em efeito, Rumsfeld desaconselhava a construção de novos porta-aviões tipo Nimitz, jóia da coroa da US Navy, com um valor de 4.000 milhões de dólares cada um e 2.000 milhões anuais em gastos de manutenção. Para o Secretário de Defesa se tratava de impulsionar a construção de pequenos barcos lança-mísseis, extremamente manobráveis e incomparavelmente mais baratos. A USAF, por sua parte, devia auto-limitar seus pedidos de caça-bombardeiros F-22 e cancelar projetos excessivamente custosos (como o Joint Strike fighter que em 2001 deveria absorver 850 milhões de dólares), manter-se com o material atual e confiar nos novos UAV (aviões não-tripulados) muito mais baratos, polivalentes e rentáveis.

Essas propostas, e as limitações orçamentárias conseguintes, eram suficientemente audazes para que o Pentágono e o complexo militar-industrial, gritassem aos céus. Foi então que se produziu o "providencial" ataque às Torres Gêmeas e se reestabeleceu a normalidade. As "necessidades da luta contra o terrorismo" abriram novas frentes bélicas: a modernização proposta por Rumsfeld se realizaria sem que o complexo militar-industrial visse minguados seus benefícios: estes procederiam do esforço bélico, não de uma maior produção das armas até agora clássicas.

Em sua formulação pública a Doutrina Rumsfeld é extremamente pessimista. Prevê que os EUA perderão progressivamente aliados, paralelamente ao aumento de seu poder. As bases que até agora puderam utilizar sem problemas excessivos, pode ser que não estejam a sua disposição em tempos vindouros. Isso implica que as Forças Armadas norte-americanas devem dispor de meios de longo alcance, tanto para trasladar tropas aos focos de conflito, como para lançar ataques com novas armas capazes de alcançar teatros de operações distantes.

A estratégia norte-americana se baseia em atrasar o máximo possível seu isolamento militar internacional impulsionando o fantasma da "luta antiterrorista" e adiantando suas linhas aos principais focos de interesse estratégico. A escusa escolhida tem a virtude de ser aproveitada por outros atores para conquistarem seus propósitos: a China aproveita para aumentar a repressão contra os muçulmanos do sudoeste do país; Aznar aproveita para lançar uma ofensiva final contra o ETA e seu desdobramento político; a Rússia utiliza a mesma mensagem para combater o independentismo checheno sem que ninguém se preocupe com a vulneração dos direitos humanos e das leis da guerra.

A desculpa do antiterrorismo será, afinal, utilizada para justificar qualquer ataque contra qualquer país do mundo; porém não durará eternamente. Alguns serviços de inteligência ocidentais e muitos observadores políticos albergam as maiores dúvidas sobre os verdadeiros inspiradores dos ataques terroristas do 11 de Setembro. Se há que buscar o criminoso entre aqueles aos quais o crime beneficia, é evidente que os atentados do 11 de Setembro somente serviram aos interesses do expansionismo americano. Enquanto a Bin Laden, mais que de um terrorista islâmico teria que se falar de um "cooperador necessário" nessa estratégia infernal que os EUA já utilizaram em Pearl Harbour, no Maine, em Tonkin, etc.

A Doutrina Rumsfeld tem a virtude de reconhecer que o atual sistema de alinças dos EUA é produto da Guerra Fria e essa já acabou, em consequência, as velhas amizades tem menos sentido no novo tempo. Daí que a administração Bush tenha situado a redefinição do papel da OTAN entre suas prioridades.

O Documento RAD

O documento RAD insistia na necessidade de que os EUA interviessem no Golfo Pérsico assegurando uma posição indiscutível e preferencial. Para isso era preciso finalizar o trabalho realizado em 1989-90 no Iraque e derrubar Saddam Hussein: "Os EUA buscaram durante décadas desempenhar um papel mais permanente na segurança regional do Golfo. Enquanto que o conflito não resolvido com o Iraque proporciona a justificativa imediata, a necessidade de uma presença importante de forças americanas no Golfo transcende a questão do regime de Saddam Hussein". Voltava-se a insistir no escrito por Wolfowitz há oito anos: "Na atualidade os EUA não possuem rival em escala global. A grande estratégia dos EUA deve perseguir a preservação e a extensão dessa vantajosa posição durante tanto tempo quanto seja possível". Porém também se reuniam algumas considerações sobre armamentos novos já realizadas por Rumsfeld em seus documentos; em efeito, se pediam "Novos métodos de ataque - eletrônicos, não-letais, biológicos - serão mais extensamente possíveis; os combates igualmente terão lugar em novas dimensões: pelo espaço, pelo ciberespaço e quiçá através do mundo dos micróbios; formas avançadas de guerra biológica que possam atacar genótipos concretos podem fazer do terror da guerra biológica uma ferramenta politicamente útil".

O mais curioso desse documento é o "digo-te que não me digas" que ele inclui inopinadamente. Em efeito, o documento RAD, bruscamente alude a que a transformação estratégica dos EUA será difícil e "estará carente de algum fato catastrófico e catalizado, como um novo Pearl Harbour". Porque para a administração Bush os atentados de 11 de Setembro foram providenciais...tão providenciais que se diria que foram buscados por alguém próximo à administração. De fato, a Comissão de Investigação estabeleceu que a Administração Bush não fez tudo o possível para evitá-los. O advogado de uma das vítimas, de sua parte, apresentou em setembro de 2004 uma denúncia na qual considerava George W. Bush e Condoleeza Rice como mandatários do crime. Seja como for, não se pode dizer que a investigação sobre o 11 de Setembro tenha chegado muito mais longe do que foi a investigação sobre o assassinato de Kennedy. E, pleo demais, os aspectos escrutos todavia não esclarecidos do crime e da investigação posterior, assim como a irracional insistência de que Bin Laden estava refugiado no Afeganistão (o que justificava uma ação de rangers ou marines contra o refúgio de Bin Laden, porém não o bombardeio de todo um povo) ou que mantinha contatos com Saddam Hussein (algo absolutamente falso), geram sombras extremamente densas sobre o crime. Após os atentados, em efeito, o PNAC urgiu em outro documento ao Presidente Bush para que derrubasse Saddam Hussein.



As Linhas de Trabalho do PNAC

No ano 2000, Kristol e 27 ex-funcionários dos Presidentes Reagan e Bush (pai) elaboraram o informe "Reconstruir as Defesas dos EUA" onde se propõem medidas para estabilizar a hegemonia norte-americana no planeta. O documento inspirou o plano de Estratégia de Segurança Internacional que George W. Bush apresentou poucas semanas depois. Dos 27 redatores do informe, seis eram também altos funcionários da administração (Wolfowitz, Eliot Cohen, conselheiro político de Donald Rumsfeld; Scooter Libby, chefe de assessores de Dick Cheney; Dov Zekheim, sub-secretário de Defesa; Stephen Cambone, alto funcionário de Defesa).

O projeto para a criação de uma "Pax Global Americana", revelado pelo Sunday Herald, mostra que o gabinete de Bush pretendia tomar o controle militar da região do Golfo, e isso independentemente de que Saddam Hussein estivesse no poder. Diz: "Os Estados Unidos tem estado durante décadas representar um papel mais permanente na segurança regional do Golfo. Apesar de que o conflito todavia não resolvido com o Iraque oferece uma justificativa imediata, a necessidade de uma presença substancial de Forças Armadas americanas no Golfo transcende o tema do regime de Saddam Hussein". Essa "grande estratégia americana" deve ser posta em marcha "tão logo seja possível no futuro", diz o informe. Acrescenta também que a "missão fundamental" dos EUA consiste em "declarar e ganhar de forma decisiva múltiplas guerras simultâneas". Isso último é irrelevante...o importante é a insistência em que o PNAC deverá se colocar em prática "tão logo seja possível". Até o 11 de Setembro isso não era possível. A partir de então, foi imparável. É impensável que os que desenharam os atentados de 11 de Setembro não calibraram os conteúdos do PNAC e ignoraram que, precisamente, sua ação serviria como a justificativa esperada para aplicar o projeto "tão logo seja possível".

O informe descreve as Forças Armadas americanas no estrangeiro como "a cavalaria da nova fronteira americana". Wolfowitz e Libby, especialmente, não podiam ignorar que a União Européia e a Rússia em vias de reconstrução, supunham desvantagens para a dominação norte-americana, daí que propuseram que os EUA deveriam "impedir que as nações industriais desenvolvidas ponham em dúvida nossa liderança ou inclusive aspirem a um papel regional ou global mais importante". Para isso era preciso reforçar a aliança com países europeus (especialmente com Grã-Bretanha e em segundo lugar com Aznar na Espanha); eliminar à ONU de qualquer iniciativa de paz no mundo que, a partir de agora, deveria ser proposta e liderada pelos EUA; manter a presença no Golfo Pérsico ainda apesar de que Saddam Hussein fosse derrotado ou desaparecesse; logo definem o Irã como novo inimigo de substituição na região. E, finalmente terminar mencionando a China como rival geopolítico, o que os leva a propor o aumento da presença no sudeste asiático para conduzir a que o "poder americano e de seus aliados estimule o processo de democratização na China"; é nesse documento em que se cria a ficção de que o Iraque possui armas de destruição em massa e no qual se alerta sobre a necessidade de criar "forças espaciais americanas", para o domínio do espaço e o controle total do ciberespaço, com vistas a impedir que os "inimigos" utilizem a Internet contra os EUA. Assim mesmo, o documento define o âmbito do que logo popularizará Bush com o nome de "Eixo do Mal" (Coréia do Norte, Líbia, Síria e Irã).

A Nomenclatura da Elite Neoconservadora

O documento fundacional do PNAC, foi assinado por uma equipe de neoconservadores do entorno petrolífero dos Bush e do CFR (cujo presidente é precisamente George H. W. Bush sênior): Jeb Bush (irmão de George W., governador da Flórida onde se decidiu a vitória eleitoral de seu irmão), Dick Cheney (vice-presidente), Gary Bauer, William J. Bennett, Eliot A. Cohen (CFR), Midge Decter, Paula Dobriansky (CFR e Comissão Trilateral), Steve Forbes (dono da revista Forbes e ex-empregador de Domingo Cavallo), Aaron Louis Friedberg (CFR), Francis Fukuyama (CFR), Frank Gaffney, Fred C. Ikle (CFR), Donald Kagan (CFR), Zalmay Khalilzad (CFR), I. Lewis Libby (CFR), Norman Podhoretz (CFR), Dan Quayle (ex-vicepresidente de George Bush pai), Donald Rumsfeld (CFR; atual secretário de Defesa), Paul Wolfowitz (CFR, atual sub-secretário de Defesa), Peter W. Rodman (CFR), Stephen P. Rosen (CFR), Henry S. Rowen (CFR), Vin Weber (CFR), George Weigel (CFR) e Douglas Feith (CFR). Observe-se que a maior parte desses nomes está vinculado ao núcleo straussiano. De outra parte, 25% do total é composto de antigos trotskistas, a maioria, straussianos.

Dentro do marxismo, o trotskismo é um gênero cujos militantes sempre tiveram traços particularmente definidos e completamente distintos em relação a outras seitas igualmente marxistas (maoístas, marxistas revolucionários, marxistas-leninistas, castro-guevaristas, marxistas cristãos, revisionistas, eurocomunistas, etc.). Em efeito, os trotskistas sempre se caracterizaram por seus estudos milimétricos sobre situações políticas concretas. Sempre tiveram uma tendência particular a se cindirem em capelas até quase o infinito, e tem insistido especialmente no exame das conjunturas internacionais e...em sua maior parte, seus dirigentes tem sido de origem judia, ainda que completamente secularizados. No mais, o trotskismo, é hoje um movimento político muito minoritário, composto por crianças extremamente jovens e uns quantos gurus já na senilidade ou prestes a alcançá-la. E o resto? O percurso desses militantes tem sido sempre muito similar: enquanto trotskistas, sua atitude era irreconciliável com os partidos comunistas ortodoxos, tidos como stalinistas ou neo-stalinistas. Isso os levou, ou bem a se infiltrarem nos partidos socialistas (Lionel Jospin, por exemplo, era um antigo trotskista que chegou a chefe de governo, após entrar no PS como infiltrado) ou bem a adotar posturas, primeiro anti-comunistas e logo...liberais. Há entre os antigos trotskistas uma espécie de inércia que os leva sempre a aceitar o destino a que os conduzem suas reflexões ideológicas...sempre e quando se adaptem a seus gostos ou interesses pessoais. De fato, frequentemente, os trotskistas tendem a ideologizar qualquer tipo de comportamento que adotem.

Na Espanha existirem uns 4.000 militantes trotskistas nos anos 70 que se foram cindindo progressivamente em distintas facções rivais até desaparecerem quase por completo. Onde estão hoje os antigos trotskistas? Em todas as partes, há avido deles no CDS, no PSOE, no PP, e no IU, nas candidaturas de extrema-esquerda, e inclusivem chegaram a aparecer nas filas de extrema-direita. Nos EUA ocorreu outro tanto: o trotskismo norte-americano formado ao redor de Hansens e o Secretariado da IV Internacional, tem nutrido de militantes todas as correntes políticas norte-americanas: desde os sectários de extrema-direita agrupados ao redor de Lyndon Larouche, até as convenções do Partido Democrata, passando, obviamente, pelos grupos neoconservadores e, em concreto, pelo PNAC. Tudo isso fez dizer Michael Lind que "os intelectuais que mais defendem o neoconservadorismo tem suas raízes na esquerda, não na direita".

Uns 30% dos membros iniciais do PNAC, corresponde a antigos trotskistas. Porém há outra característica que já citamos do trotskismo: boa parte de seus quadros políticos são de origem judia. Isso se cumpre também no PNAC e entre os círculos straussianos. Evidentemente há cristãos...porém se trata de pessoas que não questionam as atrocidades cometidas por Israel nos territórios ocupados da Palestina e que, em qualquer caso, apoiam o sionismo e em especial os partidos da direita israelita, com Ariel Sharon à cabeça. Tendo isso em conta se pode compreender por que pessoas significativas do PNAC estiveram sempre a favor de que Israel e em concreto o governo de Benjamin Netanyahu, rompessem os acordos de paz de Campo David. Tal era a orientação que Richard Perle aconselhou ao primeiro-ministro judeu em 1996: "ruptura limpa". Perle na mesma comunicação a Netanyahu reconhecia que tal ruptura era tanto mais obrigada desde o momento em que a administração norte-americana reafirmara sua vontade de esmagar Saddam Hussein e, assim, garantir a segurança de Israel. Para o PNAC a lealdade frente aos EUA se complementa por uma lealdade em relação ao Estado de Israel...lealdade não isenta de interesses muito materiais posto que alguns como Perle e Wolfowitz representam interesses de companhias estatais judias (frequentemente de armamento) dentro dos EUA. Porém, ademais, isso enlaça com o eixo central de nosso trabalho: se trata de um setor convicto de que Israel era o "povo eleito" do Antigo Testamento e os EUA são o "povo eleito da modernidade". A um corresponde velar pela segurança do outro. Para ambos o Antigo Testamento é um texto que explica como será o mundo futuro. Daí que valha a pena seguir suas indicações, especialmente quando alude aos sinais do Apocalipse e à Segunda Vinda de Cristo que reconciliará judeus e cristãos e operará a conversão de Israel. É importante destacar, como já o fizemos em outros lugares, que a solidariedade da Administração Bush por Israel vai mais além de qualquer racionalidade e se trata de uma conclusão à qual levam distintos enfoques: de um lado os interesses estratégicos (Israel é o grande aliado dos EUA no Oriente Médio), porém também e acima de tudo os laços ideológicos e místicos que unem à extrema-direita israelense com a direita neoconservadora norte-americana.



A Rede Neoconservadora

Dinheiro não falta. A Fundação Bradley constitui o suporte do PNAC através do New Citizenship Project, Inc. O PNAC tem sua sede em Washington, no edifício do Instituto de Empresa Americano (American Enterprise Institute), outro think-tank conservador. De fato entre ambas organizações há uma multitude de vínculos e personagens como Perle, que pertencem a ambos.

Assim mesmo, os membros do PNAC costumam estar também aderidos a outros grupos de pressão neoconservadores: o Hudson Institude, o Center for Security Policy, o Washington Institute for Near East Policy, o Middle East Forum, e o Jewish Institute for National Security Affairs. Porém, não nos enganoemos, apesar de que todos estes núcleos de poder estejam entrelaçados entre si e aportem a totalidade dos quadros da administração Bush, não se trata de grupos particularmente numerosos. São uma elite completamente desvinculada do americano médio que ignora seus postulados na medida em que os grandes meios de comunicação jamais aludem à existência desses núcleos intelectuais. Agora bem, estes núcleos estão também vinculados a uma parte do poder econômico e financeiro dos EUA. É, ademais, lógico que petroleiros, dirigentes do complexo militar-industrial, pensem em termos estratégicos e se vinculem a estes núcleos neoconservadores, como antes, os membros de organizações como o CFR ou a Comissão Trilateral, o faziam com núcleos fabianos e democratas.

É previsível que no futuro se produzam viradas importantes na política norte-americana. Já dissemos que nem todos os republicanos compartilham dos pontos de vista do clã straussiano, neoconservador e belicista. De fato, um setor do Partido Republicano, se caráter moderado, tem denunciado, ainda que timidamente, os riscos de prescindir dos aliados nas iniciativas de política exterior, e especialmente, sobre a periculosidade do déficit interior. Recordam que a OTAN todavia existe e que os EUA são altamente tributários das importações de manufaturas européias. Advertem sobre o rechaço que provocam as aventuras militares entre os europeus e advogam pelo "uso racional" da força. Henry Kissinger, membro dessa tendência, segue propondo um equilíbrio nuclear, enquanto que outros representantes dentro da administração Bush, são James Baker, Richard Armitage, Anthony Zinni, e Colin Powell.

Não há que esquecer que os EUA estão ligados ao antigo "mundo livre" por distintos tratados: ademais da OTAN, existe ainda que em vida larvar, o Tratado de Defesa Asiático ou o Tratado Interamericano do Rio, sem esquecer que o aventureirismo da administração Bush está deixando inoperantes as Nações Unidas.

Quando Donald Rumsfeld analizava no verão de 2002 o desenvolvimento da campanha afegã - não sem certos tons épicos - aproveitava para redefinir as prioridades da política norte-americana coincidindo em tudo com os mentros do PNAC, se bem se acrescentavam dois pontos, os finais, que insistiam desusadamente na proteção das redes de informação e na utilização das tecnologias de ponta para alcançar maior efetividade nos ataques das Forças Armadas. Esse ano aumentou o orçamento militar em todas as suas partes: defesa interior, armamento, investigação, presença no exterior, etc. Porém a principal novidade que se desprendeu da análise de Rumsfeld foi a coordenação de todos os serviços de informação e inteligência em uma só estrutura. Tal era a conclusão que Rumsfeld dava a seu artigo sobre o Afeganistão: as guerras precisam de um grande esforço de inteligência e portanto há que centralizar essas tarefas, as novas tecnologias da comunicação devem ser integradas nas Forças Armadas de maneira prioritária, a defesa do território metropolitano norte-americano é fundamental, o transporte de tropas é decisivo e, finalmente, como concessão ao sistema democrático, insista em que "O povo dos EUA deverá ser sempre plenamente informado dessas novas políticas e estratégias".

Porém Rumsfeld silencia muitas coisas, sem dúvida, as mais importantes: silencia que o terrorismo islâmico não é um risco para a segurança nem para a estabilidade mundial, tão somente um obstáculo anti-democrático em determinados países do mundo islâmico, concretamente na Arábia Saudita e no Paquistão, e em muita menor medida na Argélia, enquanto que na Chechênia vive seus últimos suspiros e em Bósnia-Kosovo está, senão desmantelado, ao menos apaziguado, assim como ocorre no Irã. Na Ásia Central se vive o fracasso do Islã radicalizado. Para concluir: quando se produz o ataque de 11 de Setembro, o Islã fundamentalista vive uma etapa de regressão. O pouco que se examine cada atentado atribuído ao "terrorismo internacional" se percebe com clareza que não existe uma direção terrorista universal, senão que cada atentado responde a circunstâncias locais muito concretas... ou muito misteriosas para que seja possível buscar um responsável universal. Rumsfeld silencia também que aos EUA será muito difícil reconstruir sua rede de alianças, especialmente com a Europa, território no qual se tem comprovado que os custos eleitorais das opções pró-americanas são de tal magnitude que tornam impensável pensar em que algum governo europeu voltará a repetir viradas pró-americanas como o de Aznar. Sem esquecer que já não é a Europa que precisa dos EUA para se proteger da URSS - a União Européia vive um idílio com o espaço russo - senão são os EUA que precisam da União Europeia porque é daí que procede o essencial de manufaturas que alimentam seu mercado consumidor interno. Falta dizer, finalmente, que a partir do ataque contra o Afeganistão resultou absolutamente evidente que os EUA não admitiam de seus aliados outra atitude que não fosse o submetimento a seu mando único, e que a campanha do Afeganistão demonstrou até que ponto os "impérios" não tem "aliados" senão "súditos".