01/01/2015

Branko Malic - Leviatã e Bahamut - A Conspirologia Geopolítica de Aleksandr Dugin

por Branko Malic



Desde a perspectiva Tradicionalista, o consumidor absoluto é muito mais adequado para o avatar contra-iniciático, do que o soldado SS, e o posto de gasolina na beira da rodovia é um templo muito mais adequado do novo deus do que qualquer templo concebível de nação ou raça. Pois todos os consumidores podem ver a si mesmos como uma comunidade unificada enquanto ficam de pé na fila antes da caixa registradora do posto de gasolina, completamente idêntico a qualquer outro posto de gasolina na União Européia, sendo parte de uma rede de rodovias que isolam o passageiro e tornam toda paisagem identicamente irreconhecível. Em outras palavras, a contra-iniciação precisa oferecer às pessoas uma razão pela qual elas lucrarão se todas as diferenças forem abolidas, até que a única coisa que ainda as distinguem como irmãos e irmãs globais seja o discriminatório rótulo "senhoras/senhores" acima da porta do banheiro do posto de gasolina.

Por que a serpente é tão tímida?

A política da globalização oculta sua própria metafísica como se fosse uma bagagem incômoda. Para aqueles que percebem que o projeto da sociedade global é impossível sem um sistema econômico, político e religioso total, a única pergunta é: por que a serpente oculta suas pernas? É porque ela está envergonhada ou será porque sem elas ela rasteja mais rápido? Aleksandr Dugin, sociólogo, filósofo e teórico russo da geopolítica, cujo livro Conspirologia foi apresentado ao público croata pela Editora Eneagrama, inequivocamente escolheria a segunda alternativa. Mas antes que seguidores de David Icke procedam a lhe enviar vibrações positivas, Dugin não tem problema algum com a prisão de membros do coletivo de arte Voina, i.e. garotas da banda ad hoc Pussy Riot, após sua "oração punk" na Catedral de Moscou, denunciando sua performance como um ato subversivo em prol da metafísica rastejando da qual estamos falando. Por outro lado, o nacionalista croata pós-moderno que, ao ouvir isso, automaticamente decide acrescentar a Dugin um sinal de "mais" em seu livrinho de fã - um mais tão grande quanto aquelas imensas cruzes pseudo-católicas de concreto nas colinas da Dalmácia e Herzegovina - será obrigado a tremer sob o banho frio do discurso laudatório de Dugin sobre o psiquiatra-psicopata Radovan Karadzic em 2008.

Aleksandr Dugin não é o homem a simplificar as coisas, assim cautela na aproximação a sua obra deve ser proporcional à cautela que se exerce ao se aproximar às obras de praticantes e teóricos ocidentais da engenharia social, como Kissinger, Soros, Popper ou Luhmann. De fato, as ambições são similares - vitória na arena da geopolítica e a realização de uma perspectiva concreta e definitiva. Porém, em contraste a seus antípodas, Dugin não demonstra incentivo totalitário - ou ele o oculta bem, talvez até de si mesmo. Nesse sentido, à parte do fato de que ele é, contrariamente aos necromantes ocidentais, disposto a jogar um jogo de cartas abertas, nós podemos confiar que suas cartas não estão marcadas antecipadamente.

Pressuposições da Conspirologia

O livro que estamos analisando é uma das primeiras obras de Dugin e apenas nos apresenta parcialmente um vislumbre de suas idéias centrais, que depois o trouxeram às portas do Kremlin. Conspirologia, primeiro publicado em 1991, nos apresenta um autor erudito e meticuloso, interessado um problema às margens da academia, i.e., teorias da conspiração. Nesse sentido, ao apresentar a estrutura do livro, Dugin nota que a noção conspirológica de história e vida quotidiana é algo bem comum na mente pública, ainda que nunca se fale sobre ela publicamente. Isso apresenta ao pensador a tarefa da análise sociológica do fenômeno, nomeadamente a delineação de estruturas, formas e significados típicos que o tornam tão difundido e influente, ainda que ao mesmo tempo invisível para o mundo acadêmico. Se alguém assumir a tarefa logo perceberá que Dugin é uma fonte a ser reconhecida, porque a parte introdutória de Conspirologia demonstra bem o quão informado ele está. Ele traça a história dos conceitos conspirológicos pela exposição de seus defensores significativos, principalmente autores dos quais a audiência contemporânea de InfoWars jamais ouviram falar, ainda que tenham deixado uma marca importante na história das idéias em geral. O princípio de sua classificação e avaliação não é a verdade objetiva do que eles defendem, que Dugin toca apenas de passagem, mas a atividade do espírito humano que faz emergir suas idéias. É uma espécie de arquétipo conspirológico, uma idéia profundamente enraizada nas camadas inconscientes da humanidade, fornecendo a ela uma intuição esquiva, porém muito real, de que sob a superfície da história há uma direção e significado definidos. A enchente de teorias da conspiração está relacionada à erosão da cultura cristã tradicional, iniciada, segundo Dugin, na segunda metade do século XVIII, i.e., na era da penetração das idéias iluministas na realpolitik da Europa. Daí, Dugin denota as teorias da conspiração modernas e pós-modernas como as teorias da conspiração "humanas". Em acordo com o zeitgeist elas necessariamente tendem a sublimar o momento religioso e então projetá-lo nos feitos dos homens, grupos que continuamente laborar para a destruição da ordem mundial existente.

Nesse ponto, Dugin corretamente nota os padrões recorrentes: por exemplo, a idéia do assim chamado "complô maçônico" tem estado por aí por duzentos anos com variações mínimas e argumentos pró e contra idênticos, e ao mesmo tempo sem sinais de enfraquecer. Porém, o que permanece permanente em todas as formas mutáveis das teorias da conspiração está oculto para a maioria de seus criadores e defensores. Assim Dugin é obrigado a perguntar o seguinte: o que é que torna certas teorias da conspiração plausíveis, ainda que ao mesmo tempo contraditórias? Posto de forma simples, por que a mesma idéia soa diferente quando apresentada por diferentes homens; por que, por exemplo, a denunciação de Israel soa muito diferente quando pronunciada por um neonazista ou por alguém tão benigno quanto David Icke, se eles usam os mesmos - admitidamente, em ambas instâncias, superficiais - argumentos? Por que nós temos a sensação de que eles dizem coisas diferentes? Às vezes a mera qualificação de serem teóricos da conspiração pode ser suficiente para calar alguém, sem mencionar as acusações de antissemitismo e revisionismo histórico que hoje em dia são inescapáveis de qualquer coisa sobre o povo judeu for dita sem a devida reverência. Nesse sentido, a abordagem conspirológica da história é um negócio arriscado. Daí, Dugin chama os conspirologistas reais de "loucos da história" em honra aos "loucos da poesia", os simbolistas franceses. Essas são pessoas que objetivam extrair criativamente a verdade a partir dos eventos históricos, ejetando a si próprias na direção das margens da sociedade no processo, porque nas forças aparentemente opostas elas veem a atividade de um princípio único. A maioria delas erra o alvo porque elas nunca realmente param para perguntar, exatamente o que esse princípio realmente é. Porém, ninguém o erra inteiramente. A exposição verdadeira do princípio que dá origem às teorias da conspiração Dugin localiza nas obras de um homem que não foi nem conspirólogo nem historiador, mas um exilado contemplativo apolítico da história ocidental. O homem em questão foi o pensador francês René Guénon.

René Guénon e o Tradicionalismo

Do fundador informal do Tradicionalismo, Dugin pega emprestada a idéia de que a história é essencialmente um choque entre dois motivos subliminares e suas respectivas influências: iniciação e contra-iniciação. O primeiro termo denota movimentos do Espírito, de ser jogado no mundo e na história, a retornar à origem, o que Guénon chama de Tradição sacral, coração vivo das religiões reveladas. O outro termo denota um afundamento ainda maior no mundo e na história, uma fuga ainda maior da origem e, finalmente, a história moderna e sua virtualização pós-moderna. Enquanto a iniciação se apoia na metafísica que retrata o Espírito como a fundação do mundo, a contra-iniciação busca a origem apenas nos efeitos, formas materiais que são retratadas, mas também moldadas pela ciência moderna, empregada para ser uma função da metafísica oculta laborando para a redução do mundo e do conhecimento a medidas de materialismo. Mas é essencial ter em mente que o materialismo é meramente uma fase na evolução da contra-iniciação, transformando até mesmo o hoje em uma forma certa, ainda que não reconhecível, de espiritualidade pervertida. Guénon pressupõe que a contra-iniciação segue a iniciação como reflexo no espelho, portanto ela inverte todas as suas características: em seu coração não está uma crítica ou rejeição da metafísica. Pelo contrário, seu propósito é eclodir e gerar a contra-metafísica. Nomeadamente, a vida, desde a perspectiva da iniciação, é um processo de eterno retorno do efeito a sua origem, i.e., o despertar da causa para seu "de onde". A contra-iniciação, por outro lado, inverte essa posição religiosa primordial, mas ao fazê-lo, o toma não menos religiosamente: o efeito é sempre mais forte que a causa, assim, de forma a realizar absolutamente sua natureza, ele deve finalmente recriar a própria causa. Assim, na opinião de Guénon, o fim último da contra-iniciação seria o de inseminar o cosmo com o espírito falsificado. Obviamente, então, ele a compreende como sendo primariamente uma subversão da religião, sua falsificação histórica. Uma vez que o materialismo tenha cumprido seu propósito, a humanidade se deparará com um falso despertar que irá, pela lógica da contra-iniciação, se passar como uma difusão de matéria morta em uma paródia do Espírito, uma espécie de necromancia da matéria pela infusão de pseudo-inteligência. O sistema político que serve a tal propósito, i.e., demonstrando a aspiração de limpar os caminhos antes do advento da contra-iniciação pela destruição total de todas as diferenças e pela sistematização do mundo no sentido político, econômico e cultural, e, dessa forma, tornando-o totalmente transparente por seus princípios cognitivos, é na verdade seu sujeito histórico.

Contra-Iniciação e o Mundo de Hoje

Dugin sustenta que os conspirologistas usualmente erram o alvo porque eles são incapazes de reconhecer esse embate histórico, e são consequentemente lançados nas decisões de escolher os lados que estão sempre errados. Dessa forma alguns deles ficam presos em movimentos políticos radicais como o nazismo e o fascismo. É claro, a Tradição não é e de fato não pode se tornar, a criação da modernidade ou pós-modernidade, que o neopaganismo do nazismo era, de toda forma. Ademais, as filosofias políticas do fascismo - e especialmente a ideologia híbrida do nazismo - contém um forte momento pseudo-religioso que os torna tentativas violentas e mal sucedidas de criar um sistema político contra-iniciático; algo que a verdadeira política contra-iniciática realiza de uma maneira logicamente consequente. Nomeadamente, a contra-iniciação pode realizar seu objetivo apenas se ela for aceita voluntariamente e totalmente; ela tem que ser um sistema total, mas ela não deve estar ligada a uma única nação ou raça e suas conquistas militares, culturais e econômicas. Isso é assim porque seu verdadeiro fim é criar um único mundo, e de modo algum uma nação; um centro sem mais inimigos para desafiá-lo e um ideal que só pode ser realizado se abarcar os desejos de todos os homens. Nesse sentido, desde a perspectiva tradicionalista, o consumidor absoluto é muito mais adequado para o avatar contra-iniciático, do que o soldado da SS, e o posto de gasolina na rodovia é um templo muito mais apropriado do novo deus do que qualquer templo imaginável de nação ou raça. Pois todos os consumidores veem a si próprios como uma comunidade unificada enquanto ficam de pé na linha antes do caixa do posto de gasolina, completamente idêntico a todos os outros postos de gasolina na União Européia, sendo uma parte de uma rede de rodovias que isolam o passageiro e tornam toda paisagem identicamente irreconhecível. Em outras palavras, a contra-iniciação precisa oferecer às pessoas uma razão pela qual elas lucrarão se todas as diferenças forem abolidas, até que a única coisa que as distingue enquanto irmãos e irmãs globais seja um rótulo discriminatório "senhoras/senhores" sobre a porta do banheiro do posto de gasolina. O único sistema capaz de impôr todas as condições para a realização desse projeto ambicioso é a metafísica da globalização, às vezes imprecisamente chamado "neoliberalismo". Porém, Dugin acredita que ele possui uma origem geopolítica clara e distinta também - o choque entre metafísica geopolítica unipolar e multipolar ele subsume na impiedosa guerra de dois princípios políticos e espirituais: atlantismo e eurasianismo.

Geopolítica Sagrada

A elaboração do significado desses princípios levou Dugin para perto de personagens russos contemporâneos influentes. Muito de sua terminologia pode ser ouvida em Vladimir Putin ou Sergei Lavrov. Também pode ser afirmado que a política externa russa - na medida em que esse escritor possa destilar de várias fontes e mídias - está de fato agindo nas linhas dispostas pelas obras posteriores de Dugin.

Seja como for, os princípios geopolíticos, como explicados na Conspirologia, são idéias arcaicas, inconscientes ou sistemas de motivos e símbolos que movem os povos e civilizações em certas direções definidas. A primeira exposição sistemática - ainda que não esotérica, como encontramos em Dugin - foi dada pelo político britânico e fundador da geopolítica, Halford Mackinder. Dugin aceita sua terminologia, destilada pelas obras dos intérpretes russos e alemães de Mackinder. Os princípios do atlantismo e do eurasianismo se manifestam como um impulso geopolítico na direção das potências anglo-saxônicas, outrora lideradas pelo Império Britânico e agora pelos EUA, em oposição ao impulso na direção das potências continentais da Europa Central e do Leste. O denominador comum da política eurasiana é o objetivo de estabelecer a "grande terra", i.e. de forjar uma aliança de países cujas localizações, culturas e mores de ação política sejam dirigidas a partir de ou na direção da "ilha mundial" da Eurásia. O atlantismo, por outro lado, é um princípio unificador daquelas nações ligadas ao mar e pelo estabelecimento dos chamados "impérios marítimos". Se essa idéia parece extremamente simplificada e arcaica, então a mesma acusação serve para a política globalista pós-moderna, porque o tema da dominação da "ilha mundial" está nas próprias bases da política do "Novo Século Americano", como formulada, entre outros, pelo guru da geopolítica americana, Zbigniew Brzezinski. Não devemos, porém, esquecer que idéias pseudo-religiosas não são pvirilégio de movimentos políticos marginais. Simbolismo, retórica, e finalmente, os motivos de grandes impérios iluminados do Ocidente estão submersos nelas, o que é óbvio para qualquer um com olhos para ver, e a pressuposição implícita de Dugin de que certos motivos espirituais se encontram nas fundações de todas as forças opostas da política global é inteiramente plausível. Por outro lado, a doutrina de gerenciamento de mudanças da Corporação RAND e outros think-tanks e institutos é bem documentada como método de guerra psicológica ou cosmovisional (Weltanschauung Krieg), de baixos custos e sempre mantando as mãos do operador livres. Quando toda a complexidade do momento é tomada em consideração, se olharmos para a Ucrânia e o que ocorre lá, é patentemente óbvio que a técnica de incitação do caos ainda está sendo empregada. Admitidamente, se o rifle de assalto pode ser tranquilamente produzido na forma de um brinquedo de plástico e o movimento FEMEN promovido por meio da moda, isso não aponta para o fato de que tanto rifles de assalto como moças de seios pequenos são meros instrumentos dos jogos de guerra?

Mundo Unipolar e Multipolar

Dugin vê nossa era como a culminação do embate entre dois paradigmas geopolíticas: o princípio unipolar contra o princípio multipolar. A unipolaridade é uma tentativa de implementar o império global "liberal" criado pelas forças atlantistas e liderado pelos EUA. Em efeito, parece ser um processo de erradicação política, econômica e religiosa total de todas as diferenças espirituais, sociais e antropológicas entre os povos, e sua submissão ao mando da tecnocracia panóptica. O princípio multipolar, por outro lado, é um paradigma de retenção e fortalecimento das diferenças segundo a multiplicidade de matrizes civilizacionais. Porém, Dugin evita a armadilha de Huntington e afirma que a pluralidade de civilizações não implica necessariamente em seu choque. Ela pode levar a conflitos, mas ela também pode levar a diálogos e alianças, como tem sido ao longo da história. A pré-condição do mundo multipolar é a resistência bem sucedida à globalização, e especialmente a vitória na Weltanschauung Krieg que ameaça os valores fundamentais da sociedade dada e atrair a destruição da variedade de cosmovisões e modos de vida, interessantemente, sob a égide do multiculturalismo. Nesse sentido, Aleksandr Dugin é um ateísta político exemplar. Nomeadamente, ele parece considerar cada ação ou sistema simbólico criados por instituições globais inteiramente vazios de qualquer moralidade essencial. Os valores do multiculturalismo, igualdade de gênero e eliminação das diferenças sexuais pela matriz ideológica de casamentos homossexuais, são apenas meios para um fim nefasto; um projeto político inteiramente realista, ainda que bizarro. Exatamente o que este projeto deve ser, nós podemos observar simplesmente abrindo a janela. É um processo de desvaloração total da herança histórica de direitos civis: direito à privacidade, propriedade privada e, no coração de tudo, o direito a pensar. A novidade histórica da metafísica globalista está no fato de que ela insiste em ser livremente aceita pelos indivíduos. Porém, a crença nos deuses da política que, interessantemente, normalmente se segue à falta de crença no transcendente não é nada além de uma superstição.

O Tradicionalismo de Dugin

A influência de Aleksandr Dugin sobre a política externa russa é um objeto de especulação, majoritariamente no nível da fofoca. No Ocidente ele é às vezes chamado de novo Rasputin, provavelmente porque a inteligência dos moldadores de opiniões mainstream não parece ir mais longe que um reconhecimento de padrões (dica: a barba). Ainda que seja difícil crer que o estimado professor veja a si mesmo como "a maior máquina de amor da Rússia", é impossível ignorar que alguns dos movimentos da política externa russa são bastante concordantes com suas opiniões e afirmam muito do que ele fala. A vitória diplomática sobre o Ocidente durante as primeiras fases da crise síria não pode ser negada, e é difícil escapar do fato de que o termo reaganiano "Império do Mal" esteja perigosamente perto de denotar os próprios EUA. Porém, há um perigo em idealizar excessivamente o projeto liderado pela Federação Russa. A glorificação acrítica do poder ascendente da Rússia, ainda que compreensível, não nos deve fazer esquecer o famoso ditado sobre o "enigma embrulhado em segredo". Em outras palavras, ocidentais jamais devem se esquecer do fato de que eles não sabem e - como implicado pela lógica de Dugin - talvez não tenham como saber, o que ocorre por trás da face pétrea de Putin. Ademais, é questionável como se pode conciliar o misticismo militante evoliano com a sabedoria ascética de Guénon, o que Dugin aparentemente tenta fazer. É uma pena que o Ocidente seja mais ou menos ignorante do principal descendente espiritual de Guénon, o húngaro Bela Hamvas, um homem bem mais experiente em resistir do que exercer a força violenta, mas que não obstante quase sozinho manteve viva a chama da Tradição em toda a Europa Oriental. O que ele e Guénon foram capazes de fazer foi apontar o dedo e dizer: isto é Corrupção. Nada mais, nada menos. E isso em si já os torna revolucionários. A resistência do tipo que Dugin defende pode se provar não menos imoral que a agressão ocidental e dificilmente se pode reconciliar com a atitude religiosa do Tradicionalismo.

Devemos concluir que Aleksandr Dugin é um pensador relevante e sua obra é um ponto de referência para todos que vejam, ou pelo menos ouçam, algo rastejando perto de sua porta. Dugin diz claramente: nas flores plásticas da globalização, uma serpente se oculta. Mas se observarmos como ele, bem como a direita alternativa européia em geral, entrelaçam Tradicionalismo e realpolitik, a questão inevitável surge: é realmente possível curar a mordida da víbora com outra dose de veneno? Sem dúvidas, cada vez mais pessoas estão se tornando conscientes de que a história do século XX não era o que lhes foi dito. Os valores do Ocidente se provam mais e mais ameaçadores não apenas para as bases políticas, econômicas e biológicas, como também lógicas do ser humano enquanto tal. O niilismo está aí sem máscaras. Porém, se aliar com pensadores como Dugin exclusivamente por causa das insuficiências do Ocidente não é razoável. Pois ainda que suas cartas não estejam marcadas, não se pode ter certeza de que se sabe que jogo ele está jogando.