28/08/2015

Leonid Savin - Os Cinco Grandes, Segurança Eurasiática e Outros Projetos

por Leonid Savin



Nos idos de 2001, um importante analista da companhia bancária americana Goldman Sachs Group Inc., Jim O'Neill, usou o acrônimo BRIC para descrever as economias em desenvolvimento. Ainda que ele a tenha utilizado no contexto de um paradigma neoliberal global, a Rússia "cooptou" o termo, propondo ao Brasil, à Índia e à China construir uma cooperação multilateral. Em relativamente pouco tempo, muito foi feito para desenvolver mecanismos de interação. Posteriormente, a África do Sul se uniu aos quatro países (e o acrônimo BRICS nasceu).

Agora, os cinco países, que ocupam 26% da área territorial do planeta, representam 42% da população mundial e geram 27% do PIB mundial, são considerados como o novo ator coletivo do mundo multipolar, baseado no princípio da descentralização e na habilidade de responder aos desafios do século XXI. Como o vice-Ministro de Relações Exteriores russo Sergei Ryabkov, na sua coletiva de imprensa durante a Cúpula dos BRICS e da SCO em Ufa em 9 de julho de 2015, disse, "a prática dos BRICS não tem precedentes na política internacional", e o grupo de Estados tornou-se "um fator importante nas relações internacionais". Os BRICS estão se tornando gradativamente os novos "Oito Grandes", mas apenas na base da igualdade, da transparência e do consenso entre todos os membros.

A última cúpula em Ufa mostrou que o tom informal no qual a cooperação estava baseada não impediu a criação de uma associação internacional completa, mais democrática do que outras alianças do último século. Em Ufa, um plano para ações futuras foi aprovado - um tipo de sumário da matriz operacional dos BRICS para o futuro próximo. Ele inclui uma declaração de finalidades, a estratégia da parceria econômica e anuncia a abertura de um departamento virtual - o site oficial dos BRICS, que publicará documentos oficiais e materiais relevantes. O Banco dos BRICS foi inaugurado e uma reserva de ativos estrangeiros foi formada. Seu capital combinado é de 200 bilhões de dólares. Os primeiros projetos financiados ocorrerão na primavera de 2016, não limitados aos cinco países, mas possuindo caráter global. Essencialmente, é uma alternativa financeira ao FMI dos Rothschilds, fazendo investimentos em setores necessitados da economia real dos países, e não conduzindo transações especulativas ou fornecendo empréstimos onerosos, como o fazem bancos estrangeiros, mercados de capitais e fundos.

Também, entre os países dos BRICS a cooperação será reforçada em questões financeiras e econômicas. Particularmente, o diretor de Questões Europeias e Centro-Asiáticas Gui Congyou notou que a Rússia é uma prioridade para investimentos chineses, o que será feito não apenas em infraestrutura, mas na construção de casas baratas e em alta tecnologia também.

O ano da presidência russa dos BRICS tem sido muito dinâmico. Como o Presidente da Rússia Vladimir Putin disse em 9 de julho, "no ano da presidência russa nós conduzimos os primeiros encontros para fóruns civis, parlamentares e da juventude dos BRICS. A criação da Universidade de Rede dos Brics está em processo tanto quanto o estabelecimento do Conselho de Regiões de nossa organização".

Deve ser acrescentado que a cooperação está acontecendo agora não apenas nos campos financeiro e econômico do bloco: encontros ministeriais tem sido realizados para questões de saúde, educação, agricultura, impostos, ciência e tecnologia, seguridade social, comunicações, trabalho e emprego e cultura. A coordenação crescente entre os países afetou virtualmente todas as questões internacionais agudas, de conflitos regionais e ameaça do narcotráfico ao setor espacial e pirataria marítima. Para isso, todas as técnicas que podem tornar relações multilaterais burocráticas foram deliberadamente evitadas. Os líderes de todos os países dos BRICS concordaram com a opinião de que o atual formato antiburocrático deve ser mantido.

Isto indica o lado civil dos BRICS similarmente. A questão, abordada na Cúpula em Ufa, foi também discutida na véspera do fórum em Moscou com a participação de especialistas. Em particular, através do Conselho Empresarial dos BRICS muitos acordos foram feitos, enquanto líderes sindicais davam suas recomendações aos Chefes de Estado dos BRICS. O Presidente da Federação de Sindicatos Independentes da Rússia, Mikhail Shmakov, em uma reunião com Vladimir Putin, também assinalou a necessidade de evitar quaisquer métodos do neoliberalismo, que é o culpado por todas as crises globais atuais. Esta é uma observação importante mostrando que os BRICS estão em consenso a nível de ideologia política, um que guiará os países participantes.

Os BRICS também podem ser considerados como um clube em que os membros seguem o princípio da reciprocidade. o Primeiro-Ministro indiano Narendra Modi durante um encontro em formato maior de líderes dos BRICS indicou a importância de completar uma reforma na ONU e seu Conselho de Segurança. Segundo ele, isso ajudará a responder mais efetivamente a quaisquer chamados. Muito reveladora foi a afirmação do líder indiano sobre sanções - que apenas sanções da ONU tem qualquer poder, enquanto todo o resto é tentativa de alguns países de ditar seus termos, o que é inaceitável. Dilma Rousseff, Presidente do Brasil, também levantou a questão da reforma da ONU e da disponibilidade de participar em vários projetos da harmonização de fluxos migratórios ao controle de mudanças climáticas.

É significativo que outros países estão mostrando um interesse crescente nos BRICS. Por exemplo, no fórum financeiro dos BRICS/SCO, que ocorreu em 8 de junho, o vice-presidente do Banco de Desenvolvimento Industrial da Turquia Çigdem Içel também estava presente; ademais, a participação formal dos Chefes de Estado da SCO na Cúpula dos BRICS como convidados elevou grandemente o status do evento. Porém, excetuando a agenda oficial, os líderes puderam se comunicar em um cenário informal, discutindo um número de questões que são igualmente importantes para construir uma parceria confiável.

O Ocidente se comportou de sua maneira característica de duplicidade e guerra informacional. Por exemplo, a publicação da Bloomberg foi totalmente manipulada, como se a economia agregada dos BRICS quase tivesse alcançado a economia americana. Isto não é verdade, já que segundo o FMI só a China já ultrapassou os EUA em 2014; o Conselho de Relações Exteriores, falando de forma mais realista, apontou que os BRICS reduzirão a influência do Ocidente. Stratfor acrescentou que os BRICS e a SCO evoluíram a um tipo de plataforma para mobilizar resistência contra os EUA. Ostensivamente, analistas americanos não ouviram ou não quiseram ouvir as afirmações repetidas das primeiras pessoas e ministros de que os BRICS não estão dirigidos contra qualquer Estado ou potência, possuindo uma agenda aberta. Similarmente, a SCO foi estabelecida para resolver questões de segurança regional na Eurásia, bem como para participar na produção de energia e na criação de corredores de transporte.

Mas é claro, as duas estruturas responderão adequadamente às tentativas de solapar a soberania ou interferência em questões internas. Na cúpula, os lados chinês e russo afirmaram e reafirmaram a importância de se preservar a justiça histórica e a necessidade de resposta imediata para quaisquer esforços de se justificar fenômenos como o nazismo.

A cúpula da SCO, ocorrendo imediatamente após os eventos dos BRICS no mesmo lugar, também esteve marcada por decisões importantes. Pela primeira vez na existência da organização a recepção de novos membros, Índia e Paquistão, ocorreu. Ademais, houve um acordo para a elevação no status de participação da República da Bielorrússia ao de Estado observador da SCO. Na qualidade de parceiros de diálogo da organização, uniram-se Azerbaijão, Armênia, Camboja e Nepal. Em uma das coletivas de imprensa em Ufa, um jornalista ocidental levantou a questão dos vários problemas entre Índia e Paquistão e como eles poderiam cooperar, se permanecerem as diferenças e o potencial para conflito. O ponto é que a SCO está trabalhando em um paradigma completamente diferente ao do Ocidente, que adere à escola do realismo político, com práticas de elementos como dissuasão, confrontação, conflito de interesses e daí em diante. A SCO está desenvolvendo toda uma nova abordagem de segurança coletiva, ao mesmo tempo que respeita os interesses e soberania de todos os membros da organização. É provável que, com este formato, ela seja até mesmo capaz de ajudar a normalizar as relações entre Armênia e Azerbaijão.

Muito importante é o fato de que a adesão da Índia e do Paquistão à SCO torna esta uma aliança de quatro potências nucleares. O Presidente uzbeque Islam Karimov acrescentou que isto poderia mudar o equilíbrio de forças no mundo. Não menos relevante é a questão da participação futura da República Islâmica do Irã. Enquanto Teerã estiver sob sanções da ONU, isto não é possível. Mas, como dito pelo Ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov, o Irã fez importantes progressos com diálogos entre os seis países e podemos esperar que no futuro este problema seja resolvido - a não ser que o Ocidente tente rever a estrutura dos acordos alcançados antes, como já aconteceu em outras situações.

Na cúpula da SCO um programa de cooperação na luta contra o terrorismo e o separatismo nos anos de 2016-2018 foi também aprovado (é digno notar que, nesta época, a direção do Comitê Executivo da SCO estará nas mãos da Rússia) e o desenvolvimento da Convenção da SCO para Combate ao Extremismo foi iniciado, bem como o estabelecimento do Centro de Resposta a Ameaças e Desafios à Segurança dos Estados-membros da SCO com base na Estrutura Regional Antiterrorista (RATS). A organização terrorista "Estado Islâmico" foi reputada como uma séria ameaça e todos os membros da SCO reiteraram sua intenção de combatê-la e outros extremistas internacionais.

O desenvolvimento da estratégia da SCO até 2025 foi aceita e a Declaração de Ufa foi adotada. A estratégia diz que a SCO trabalhará "em favor da construção de um sistema democrático policêntrico de relações internacionais", referindo-se também à fundação de um espaço de segurança indivisível. Também importantes são os princípios e valores designados de Estados e povos, nos quais as características históricas e a identidade de todos os Estados-membros são levados em consideração.

Em seu discurso dedicado aos resultados das duas cúpulas, o Presidente russo Vladimir Putin mostrou que está sendo feito um trabalho para "criar o Banco de Desenvolvimento da SCO e o Fundo de Desenvolvimento da SCO. A ideia de ter instituições com base na Associação Interbancária do Centro Internacional de Financiamento de Projetos da SCO é muito promissora". Ademais, o líder russo pediu um uso mais ativo das possibilidades da SCO inerentes aos BRICS.

Mas tirando o par BRICS-SCO, há muitos projetos regionais que naturalmente se unirão a ambos formatos. Assim, os líderes da Rússia e da China declararão que estão dispostos a trabalhar proximamente na implementação de dois projetos de integração - a União Econômica Eurasiana e o Cinturão Econômico da Estrada da Seda. Ademais, há relações trilaterais, tal como entre Rússia-Mongólia-China. Em paralelo à cúpula dos BRICS, os líderes dos três países concordaram em intensificar os trabalhos em uma série de frentes - da criação de projetos de infraestrutura a atividades culturais e de informação. Como o Chefe de Governo da China Xi Jinping pontuou, "é necessário formar uma comunidade de destino mútuo e promover a multipolaridade".

Os BRICS também coordenarão a defesa de sua posição dentro do Grupo dos Vinte (G20). Ademais, esta plataforma será usada para diferentes projetos dentro dos BRICS e da cúpula do G20 em novembro deste ano, a ser realizada na Turquia, continuando a discutir a preparação do banco e de outras tarefas identificadas na Declaração de Ufa.

Tudo isto automaticamente significa que qualquer tentativa de manipulação externa, mesmo sob pretextos plausíveis (por exemplo, os EUA estão ativamente promovendo o projeto de uma Nova Estrada da Seda), está destinada ao fracasso. E o mundo com a assistência dos BRICS e da SCO será mais seguro e harmonioso.