29/06/2011

Maio de 68

por Alain de Benoist

A comemoração de Maio de 1968 vem-se repetindo a cada dez anos, com a mesma maré de livros e artigos. Estamos no quarto episódio, e os combatentes das barricadas do "bonito mês de maio" tem já a idade suficiente para serem abós. Quarenta anos depois, volta-se a discutir o que ocorreu exatamente nesses dias - e inclusive se ocorreu alguma coisa. Foi maio de 1968 um catalisador, uma causa ou uma consequência? Inaugurou ou acelerou simplesmente a evolução que teria ocorrido de todo modo na sociedade? Psicodrama ou "mutação"?

A França tem a fórmula das revoluções curtas. Maio de 68 não escapou à regra. A primeira "noite das barricadas" teve lugar em 10 de maio. A greve geral teve início em 13 de maio. Em 30 de maio o General De Gaulle pronunciou a dissolução da Assembléia Nacional, enquanto 1 milhão de seus partidários desfilava pelos Campos Elísios. A partir de 5 de junho, o trabalho voltou a começar nas empresas, e umas semanas mais tarde, nas eleições legislativas, os partidos de direita conseguiram um alívio em forma de vitória.

Em relação a outros fatos desenrolados em outras partes da Europa na mesma época, veem-se duas diferenças. A primeira foi que na França em Maio de 68 não foi somente uma revolta estudantil. Também foi um movimento social, porque a França foi paralisada por 10 milhões de grevistas. Dirigida no 13 de maio pelos sindicados, também assistiu-se à maior greve geral registrada na Europa.

A outra diferença, é a ausência de uma prolongação terrorista do movimento. Na França não conheceu-se fenômenos comparáveis aos que conheceram a Alemanha com a Fração do Exército Vermelho (RAF) ou na Itália com as Brigadas Vermelhas. As causas dessa "moderação" tem sido objeto de inúmeros debates. Lucidez ou covardia? Realismo ou Humanismo? O espírito pequeno-burguês que dominou a sociedade provavelmente seja uam das razões pelas quais a extrema-esquerda francesa não inclinou-se para o "comunismo combatente".

Porém efetivamente, não pode-se compreender nada do ocorrido no Maio de 1968 sem que dê-se conta por ocasião desta data da existência de dois tipos de aspirações totalmente diferentes em sua expressão. No momento original da revolta contra o autoritarismo político, maio de 68 foi inegavelmente, um protesto contra a política-espetáculo e o reino do comércio, um retorno ao espírito da Comuna, uma tomada de posições em forma de acusação radical contra os valores burgueses. Este aspecto não foi antipático, ainda que misturassem-se muitas referências antiquadas à ingenuidade juvenil.

O grande erro foi acreditar-se que atacando aos valores tradicionais poder-se-ia lutar melhor contra a lógica do capital. Isto era não visualizar que estes valores, como tudo o que todavia sobrava das estruturas sociais orgânicas, constituíam os últimos obstáculos ao expansionismo planetário desta lógica. O sociólogo Jacques Julliard fez a este propósito uma observação muito justa quando escreveu que os militantes de maior de 1968, quando denunciavam os valores tradicionais, não apercebiam-se que estes valores (honra, solidariedade, heroísmo) eram praticamente os mesmos que os do socialismo, e que suprimindo-os, abriam caminho para o triunfo dos valores burgueses: individualismo, cálculo racional, eficácia.

Houve outro maio de 1968, de inspiração estritamente hedonista e individualista. Longe de exaltar uma disciplina revolucionária, seus partidários queriam acima de tudo "proibir o proibir" e "desfrutar sem impedimentos". Logo deram-se conta de que não era fazendo a revolução, nem pondo-se ao "serviço do povo" como poderiam satisfazer esses desejos. Ao contrário, compreenderam rapidamente que estes seriam satisfeitos mais seguramente dentro de uma sociedade liberal permissiva. Aliaram-se pois ao capitalismo liberal, o que não deixou de garantir a muitos deles vantagens materiais e financeiras.

Instalados hoje nos estados-maiores políticos, nas grandes empresas e nos grandes grupos editoriais e midiáticos, (os sessenteoitistas) praticamente renegaram tudo, não mantendo de seu compromisso juvenil mais que um sectarismo imutável. Aqueles que queriam empreender uma "longa marcha" "contra as instituições" acabaram por instalar-se nelas comodamente. Aderidos à ideologia dos direitos humanos e à sociedade de mercado, são estes renegados que hoje declaram-se "anti-racistas" para fazer esquecer melhor que já não tem nada para falar contra o capitalismo. Também graças a eles o espírito "bo-bo" ("burguês-boêmio", quer dizer, liberal-libertário) triunfa já em todas as partes, enquanto que o pensamento crítica está mais marginalizado do que nucna. Neste sentido, não resulta exagerado dizer que ao final é a direita liberal a que vulgarizou o espírito "hedonista" e "anti-autoritário" do Maio de 69. No mais, Nicolas Sarkozy, graças a seu estilo de vida, aparece como um perfeito sessenteoitista.

Simultaneamente, o mundo mudou. Nos anos 60, a economia florescia e o proletariado descobriu o consumo em massa. Os estudantes não conheciam nem a AIDS nem o medo do desemprego e a questão da imigração não apresentava-se. Tudo parecia possível. Hoje, é o futuro o que parece fechado, os jovens não sonham com revoluções. Querem um emprego, uma casa e uma família, como todos. Porém ao mesmo tempo, vivem na precariedade e perguntam-se sobre se encontrarão trabalho depois dos estudos.

Em 1969 nenhum estudante levava jeans e os slogans "revolucionários" que floresciam sobre os muros não tinham nenhum erro ortográfico! Sobre as barricadas, onde reivindicavam-se modelos envelhecidos, (a Comuna de 1871, os conselhos operários de 1917, a revolução espanhola de 36), ou exóticos (a "revolução cultural" maoísta) ao menos militava-se por algo além da comodidade pessoal. Hoje, as reivindicações sociais tem um caráter puramente setorial: cada categoria limita-se a solicitar os melhores salários e as melhores condições de trabalho. "Dois, Três, Mais Vietnã", "Incendiar a Planície", "Até a liberdade, sempre": tudo isso evidentemente já não sacode os corações. Ninguém luta tampouco pela classe operária em seu conjunto.

O sociólogo Albert O. Hirschman disse que a história vê alternar os períodos em que dominam as paixões e períodos em que dominam os interesses. A história de Maio de 68 foi a de uma paixão que derreteu-se em um jogo de interesses.