07/02/2014

Alain de Benoist - Estruturas da Mitologia Nórdica

por Alain de Benoist



Renauld-Krantz é o responsável pela edição de uma antologia da poesia nórdica antiga aparecida em 1864, até agora a melhor seleção de textos eddicos e escáldicos acessível ao público.

A partir da antiga literatura nórdica, Renauld-Krantz se aprofunda no caráter dos antigos deuses germânicos em busca de estruturas, quer dizer formas organizadoras, constitutivas e irredutíveis a simples processos históricos, da religião germânica.

A mitologia nórdica prolonga em suas grandes linhas uma mitologia germânica comum, sobre a qual se aprofundaram os autores da Antiguidade (Tácito) e da Idade Média (Adam de Breme, Saxo Grammaticus) antes dos modernos (Jacob Grimm, Jan de Vries, Georges Dumézil, Otto Hoffner), buscando seus conteúdos.

"A Escandinávia - escreve Renauld-Krantz - é, em efeito, o único país germânico (e um dos raros países da Europa) onde a literatura ainda se banha no paganismo. Se excetuamos as inscrições rúnicas, os primeiros monumentos dessa literatura datam do século IX, e os últimos documentos religiosos importantes do século XIII. Nessa época, a Escandinávia já era cristã há duzentos anos (na Islândia, a adesão oficial ao cristianismo foi proclamada justamente no ano 1.000)".

O paganismo continua vivendo nos cultos locais, nas tradições das famílias campesinas e nos costumes populares.

As Três Funções

As figuras dominantes da mitologia escandinava são: por uma parte os aesires Tyr, Odin (Wotan, na Alemanha meridional) e Thor (Donar, em baixo-alemão); por outra, um cojunto de divindades (Njord, Frey e Freya, principalmente) que formam a família dos vanires e costumam patrocinar setores ou atividades determinadas.

Este panteão se articula ao redor de três funções que são a base da estrutura ideológica dos indo-europeus tal e como pôde ser estabelecida por Georges Dumézil: o sacerdócio e a soberania (plano cósmico, primeira função, com Tyr e Odin), a força militar e guerreira (plano humano, segunda função, com Thor), a fecundidade e a produtividade (plano social, terceira função, com Njord, Frey e Freya).

Na origem da harmoniosa sociedade dos deuses, o mito germânico localiza uma "guerra de fundação" que enfrentou aos aesires e vanires (o mesmo tema se descobra entre os romanos, sob uma forma historicizada, com as guerras etruscas; ou entre os indianos, na epopéia do Mahabharata). Uma deusa vanir, Gullweig (quer dizer, "sede de ouro") é a causa. Divididos, os aesires são derrotados e os vanires invadem seu território, Asgard ("O Jardim dos Aesires"; cfr. alemão Garten, inglês garden, "jardim"). Porém os aesires acabam por se impôr, já que seu chefe, Odin, que conhece o segredo das runas e vigia a ordem do mundo, consegue "domesticar" os assaltantes graças ao poder de união de sua magia.

Na sociedade unificada que segue a este período de discórdia, os aesires obtém as funções de soberania (Odin) e de combate (Thor), enquanto que os vanires obtém a função econômica: são os encarregados de produzir as riquezas. Tal é a forma de "contrato social" entre os indo-europeus.

A função de soberania compreende dois aspectos: um "jurídico" e religioso, o outro "político" e administrativo. O fato de que se encontrem associados demonstra que, na sociedade dos deuses (e, por extensão, na dos homens) devem obrigatoriamente caminhar juntos. O aspecto político estabelece a relação de autoridade, ou de coação; o aspecto jurídico estabelece, mediante a noção de "lei", a justificação dessa autoridade, ao mesmo tempo que assegura a coesão social e a boa marcha do mundo. Entre os antigos nórdicos, o mando implica um apoio e proteção assegurados pela "fidelidade" (Treue), da qual se pode citar muitos exemplos, desde a pax romana (cidades submetidas e protegidas) até o sistema feudal (relações entre vassalo e soberano).

A União da Razão, da Paixão e do Trabalho

Toda uma tradição historicista quis ver no mito dos aesires e dos vanires a lembrança mais ou menos deformada de dois povos diferentes; um vivendo da caça e da pecuária, o outro da agricultura, que teriam combatido entre si antes de se sobreporem. Os arqueólogos propuseram os nomes de Megalithenvölker ("povos dos megálitos") e Streitaxvölker ("povos do machado de guerra"). Até que Georges Dumézil, em sua obra Os Deuses dos Germânicos (1959), escreveu:

"A dualidade entre os aesires e os vanires não é um reflexo de eventos do passado. O que aqui se esconde são dois termos complementares de uma estrutura religiosa e ideológica unitária; dois termos onde um implica ao outro, e que são expressão comum de todos os povos indo-europeus".

Em um estudo chamado Histoire et Societé, aparecido na revista Nouvelle École, Giorgio Locchi precisa: "O essencial é que, efetivamente, os aesires e os vanires representam dois modos de vida diferentes: de uma parte a antiga tradição dos grandes caçadores-coletores; da outra a nova sociedade dos produtores, que se infiltrou por aculturação no seio das culturas indo-européias".

A sociedade ideal realiza então a união da inteligência (da razão), da força (a paixão) e das virtudes apetitivas (o trabalho). Os aesires ocupam uma posição dominante; os vanires uma posição subordinada. Porém essa hierarquia constitui um conjunto harmônico. Todos os deuses se reúnem para combater contra Utgard, a comunidade dos monstros e dos gigantes. "Os deuses se opõem aos gigantes - precisa Renauld-Krantz - como os civilizados aos selvagens, ao mesmo tempo que como os pais aos filhos".

Os deuses principais são Odin e Thor. O primeiro está associado ao ar e ao vento, o segundo ao fogo e ao raio (os vanires são entidades da terra e da água).

Odin não é o criador, porém sim o ordenador do mundo. Ele garante (junto a Tyr) a ordem do cosmo. Deus dos reis, é também o rei dos deuses. Assim como seus homólogos indo-europeus (Zeus-Pater, Júpiter, Varuna, etc.), seu poder repousa na ciência e na magia. Seus êxtases são de ordem urânica, celestial e espiritual.

Thor, deus da guerra e da tormenta, é filho de Odin, como o trono é filho do céu. Assim como o raio se abate sobre a terra sua atividade se desdobra sobre o plano humano. Seu poder repousa não na sabedoria, senão na força física, simbolizada por seu martelo. Thor encarna as virtudes do coração e da ação: coragem, generosidade e lealdade.

Entre "Barbarruiva" e "Barbacinzenta", quer dizer entre Thor e Odin, comenta Renauld-Krantz, existe uma relação estrutural binária, demonstrada por numerosos documentos.

"Odin é o deus das funções intelectuais, cujo assento está simbolizado na cabeça, Thor é o deus das funções ativas, cujo assento está simbolizado pelo coração ao mesmo tempo que seu meio de expressão e de aplicação é o corpo. Odin representa o poder do espírito e Thor a força do corpo, e o duo Thor-Odin expressa a mesma polaridade que a dualidade corpo-espírito".

Na religião védica se descobre uma relação análoga entre Varuna e Indra. O hinduísmo conservou o eco, muito deformado, na oposição entre Shiva e Vishnu.

As relações entre Thor e Odin também traduzem uma relação original entre as idades cronobiográficas que também são de hierarquia: o pai e o filho, o soberano e o guerreiro, o rei e o cavaleiro. Pelo contrário, a terceira função, que trata da fecundidade (humana) e da produtividade (econômica) se relaciona por uma parte ao elemento feminino, sem distinção de idade, e pela outra ao grande número: o povo, a massa, o Terceiro Estado.

O "Guardião do Santuário"

A partir da alta Idade Média, o culto de Thor tomou a primazia sobre o de Odin. Seu nome se inscreve em numerosos patronímicos e locativos, nos nomes próprios de pessoas e lugares. No grande tempo pagão de Uppsala, nos diz Adam de Breme, era o deus do martelo quem ocupava o lugar principal. Era, em efeito, o momento das conquistas. E das respostas.

Escutemos a Renauld-Krantz: "Thor, no fim do paganismo, se converteu no combatente e no defensor dos deuses, o 'guardião do santuário'. Nada o prova melhor que a invocação geral, na que é sujeito, dos pagãos contra o cristianismo emergente. É a ele a quem invocam os crentes da antiga fé: é a ele, e não a Odin, que opõem a Cristo, a São Olavo e aos convertidos".

E conclui: "As noções sobre a personalidade que tinham os antigos escandinavos, seu conhecimento das capacidades humanas, de uma certa imagem do homem, nem muito menos refletem um povo 'bárbaro'. O homem se sentia projetado no próprio universo que tentava explicar, de tal modo que não é exagerado explicar sua mitologia como um tipo de antropologia cósmica".