24/02/2016

Sebastian J. Lorenz - Indo-Europeus: Mitologia, Antropologia e Ideologia

por Sebastian J. Lorenz


Os Mitos de "Sangue e Terra"

Desde a mais remota antiguidade, a origem nórdica tem fascinado à maioria dos povos de estirpe indo-europeia, que assinalaram ou usurparam o Norte como pátria ancestral em seu imaginário étnico coletivo. De fato, a etnografia clássica assinalava a Ilha de Scandia, por referência a um lugar indeterminado entre Escandinávia e o Mar Báltico, como "fábrica de nações e matriz engendradora de povos" (Vagina Gentium). Certamente, nas estruturas religiosas dos indo-germânicos ocupa um lugar-comum a referência a uma terra mitológica situada no norte, na qual seus deuses e heróis se forjam em uma dura luta contra a noite e o gelo eternos, utilizando poderes da natureza como o sol, o trono ou o fogo: o mito ário nasce, precisamente, da fenomenologia e simbologia solares como patrimônio da raça branca nórdica frente aos mitos da noite e das trevas das raças escuras.

E os germânicos não foram uma exceção. Mais que isso, as distintas formações étnicas surgidas, com certa simultaneidade, como reação perante a queda do Império Romano, como os godos, os suevos, os vândalos, os francos, os alamanos, os anglos, os saxões, os burgúndios ou os longobardos, assim como, posteriormente, os escandinavos (dinamarqueses, suecos, noruegueses), competiram entre si para demonstrar sua primazia, sua pureza racial, fazendo remontar suas linhagens a longas árvores genealógicas que se perdiam na tradição escandinava das lendas nórdicas. Precisamente, este orgulho genético da origem nórdica constituiu a base fundamental para a formação de unidades etnopolíticas em torno às elites germânicas que tomaram o relevo civilizador de Roma, espalhando-se por todos os rincões do Velho Continente e provocando o nascimento do estamento real e nobiliárquico que regeria os destinos da Europa durante a Idade Média como uma autêntica "aristocracia de sangue" (Geburtsadel).

Tácito, um escritor latino, ao que parece metade romano, metade gaulês, estava convicto que "os germânicos são indígenas e de modo algum estão misturados com outros povos, seja por resultado de migrações ou por pactos de hospitalidade". Nesse sentido, aderia à opinião "de que os povos da Germânia, ao não estarem degenerados por matrimônios com nenhuma das outras nações, lograram manter uma raça peculiar, pura e semelhante somente a si mesma. Daí que sua constituição física, no que é possível em um grupo tão numeroso, seja a mesma para todos: olhos ferozes e azuis, cabelos loiros, corpos grandes e capazes somente para o esforço momentâneo, não aguentam da mesma forma a fadiga e o trabalho prolongado, e muito menos a sede e o calor, se estão acostumados ao frio e à fome pelo tipo de clima e de território nos quais se desenvolvem". Devemos ter presente que Tácito utilizava a comparação racial entre romanos e germânicos com um objetivo de propaganda moralizante: a decadência e corrupção do Império Romano frente à originalidade e naturalidade dos costumes dos povos germânicos, longe do estado de barbárie e selvageria - tão humilhante para o nacional-socialismo, ainda que o próprio Hitler reconhecesse a superioridade da cultura greco-romana frente à celto-germânica - descrito pelos autores clássicos.

Não obstante, as alusões que faz Tácito aos judeus, que se constituirão na historiografia e na filosofia germânicas como antítese dos nórdico-ários, são bastante menos prosaicas: "Os costumes judaicos são tristes, sujos, vis e abomináveis, e devem sua persistência a sua depravação... Para os judeus é desprezível tudo o que para nós é sagrado e para eles é lícito o que nos repugna... Os judeus, entre si, mantêm uma enorme fidelidade, uma piedade manifesta; por sua vez, para todos os outros, tem um ódio mortal... Quando os macedônios tomaram o poder, o rei Antíoco procurou extirpar suas superstições e introduzir os hábitos gregos para transformar essa raça inferior!.

Muito tempo depois, o historiador Montanelli, também de origem itálica, narrando com sua particular ironia a invasão da Grécia pelos dóricos, povo indo-europeu considerado pelos pensadores nazistas como o melhor exemplo das essências árias, os descrevia como "altos, de crânio redondo e olhos azuis, de um valor e uma ignorância a toda prova. Tratava-se, certamente, de uma raça nórdica". E mais adiante continua sua crítica dizendo que "os dóricos tinham uma feia enfermidade: o racismo. E até nisso se confirma que se tratava de nórdicos, que o racismo sempre levaram e seguem levando no sangue: todos, até os que de palavra o negam. Por bem que fossem muito menos numerosos que os indígenas, ou talvez precisamente por isso, defenderam sua integridade biológica, não raro com autêntico heroísmo como em Esparta".

Comentários respectivos à margem, nas descrições anteriores, tão distantes no tempo, encontramos as bases que fundamentarão o mito racial do nacional-socialismo. Trata-se de povos de origem nórdica, cuja pátria originária se situaria na região europeia compreendida pela Alemanha setentrional, Escandinávia e os Países Bálticos. Sua constituição física não deixa lugar a dúvidas: altos, fortes, loiros e de olhos azuis, o clássico padrão nórdico. Por esta condição não se misturaram com outros povos, ou o fizeram com grupos da mesma família genética, celtas, eslavos, bálticos, itálicos, conservando a pureza de sua raça, inclusive quando entram em contato bélico ou colonizador com outras civilizações em busca do espaço vital necessário para assegurar sua sobrevivência racial. Por último, o racismo inato aos povos nórdicos, que ao longo da história será especialmente virulento com os povos de cor, os leva a defender sua integridade biológica, inclusive recorrendo à violência e à guerra, único ofício honrado para uma "raça ariana de senhores e conquistadores".

Os mitos do sangue e do solo (blut und boden), de uma raça nórdica herdeira da raça ária primigênia (urvolk), cuja pátria originária (urheimat) se situava precisamente no solar ancestral dos germânicos, em algum lugar ao norte da Europa, assim como a necessidade de conseguir terras suficientes que assegurassem um espaço vital (lebensraum) para a conservação, desenvolvimento e predomínio daquela raça nórdica sobre outros povos eurasiáticos, especialmente a custa dos eslavos (drang nach osten), constituem os dois axiomas fundamentais da ideologia racial nacional-socialista: raça e espaço (rasse und raum).

E, não obstante, os milhares de livros publicados sobre Hitler, nacional-socialismo, o Terceiro Reich, a Segunda Guerra Mundial e o holocausto, se limitam a estudar, desde distintas perspectivas políticas, econômicas, sociais ou militares, as consequências derivadas do mito racial nazista, sem nem mesmo entrar na análise da ideologia racial que as provocou. Fórmulas simples e concludentes como a ideia triunfante na Alemanha nazista, segundo a qual os germânicos eram os mais puros representantes de uma raça ária superior e os judeus a escala inferior da hierarquia racial bastam, em princípio, para explicar a guerra de aniquilação e destruição mais cruel que já viu a história da humanidade. Mas por trás desse simplismo, como falamos, subjazia ma autêntica ideologia racial que pretendia aplicar aos homens as mesmas leis de seleção e sobrevivência que regem a Natureza. E para isso, se adotaram uma série de medidas enquadradas em uma política biológica global e totalitária, que iam desde a eugenia ativa à reprodução seletiva, da eliminação dos elementos raciais e sociais indesejáveis à formação de uma elite racial aristocrática encarnada na Ordem das SS.

O mito ário não é, não obstante, uma invenção de Hitler e do nacional-socialismo, mas sim fruto da manipulação ideológica sobre um problema real da arqueologia e da linguística em relação com a existência das línguas e povos conhecidos como "indo-germânicos" ou "indo-europeus", dos quais os "arianos" não seriam mais que sua extrema ramificação oriental, mas aos quais se outorgou uma pureza e uma preeminência racial e atribuiu uma lendária origem nórdico-germânica. Mas o ideal racial não interessou somente aos cientistas, quase sempre próximos aos postulados ideológicos e raciais do nazismo, como Kossinna, Penka, Reche, Lenz, Fischer ou Wirth, mas também a grandes pensadores ou criadores alemães como Herder, Fichte, Hegel, Kant, Sombart, Weber, Schopenhauer, Nietzche, Wagner, Spengler, Jünger, Schmitt, Jung ou Heideger. Com estes precedentes ideológicos, de da mão de disciplinas auxiliares como a mitologia, a filologia, a arqueologia e a antropologia, os autores racistas, como Gobineau, Vacher de Lapouge, Woltmann, Chamberlain, Rosenberg, Günther, Clauss e Darré, construíram uma doutrina "ário-nórdica" que logo se identificou com a Alemanha nacional-socialista, mas que levava vários séculos fluindo pelas frágeis aberturas ideológicas do humanismo europeu.

O culto à raça ária, em suas versões germânica ou nórdica, que se foi consolidando na Europa desde princípios do século XIX, não adquiriu em nenhum dos nacionalismos racistas do continente a orientação biologista e genetista que alcançou na Alemanha. Da ideia de uma missão de domínio mundial para a salvação da humanidade, à qual o povo alemão parecia estar predestinado, se passou, sem transição alguma, à preocupação pela pureza do sangue germânico, cuja futura hegemonia universal se encontrava em perigo pelos efeitos nocivos e contaminantes de sangues impuros como o judaico, o eslavo ou o latino, messianismo racial, sem dúvida, que, não obstante não trazia sua causa de um ódio ou preconceito específico, mas de poderosas imagens coletivas que deformavam as características físicas e éticas daqueles, infra-humanizando-os e, inclusive, demonizando-os, em contraste com a beleza e honra germânicas, quando em realidade se tratava de uma manobra, muito trabalhada ideológica e filosoficamente, de proteção de determinados interesses econômicos, territoriais e militares que, finalmente, Hitler soube explorar adequadamente, se bem que com um fanatismo que, certamente, não teriam compartilhado seus principais inspiradores ideológicos.

Não obstante, a distinção entre uma "raça superior" e outras "inferiores", o racismo alemão se fundamentava em uma hierarquização racial arbitrária e cruel em cuja cúspide se situavam os descendentes de sangue nórdico-germânico. Segundo Blank (o velho e novo fascismo), "os nazistas proclamaram que a raça germânica (nórdico-ária) é portadora das melhores qualidades das raças humanas: a lealdade ao dever e à honra, valor e audácia, capacidade organizativa e potencial de criação. Quanto mais puro é o povo no aspecto racial, mais claramente pode expressar essas qualidades. Nenhuma raça na Terra está dotada das qualidades da raça germânica, que é a parte melhor, a superior, da raça nórdico-ária. Todas as outras raças são inferiores porque estão arruinadas pelas misturas com outras raças, que originaram nelas traços negativos. São inferiores aos alemães os escandinavos e os ingleses (estes últimos estão contaminados pelo espírito mercantilista e pela influência dos plutocratas); ainda mais inferiores são os franceses e os espanhóis; os seguem, em ordem decrescente, o povo italiano e o romeno, e mais abaixo, os eslavos. Entre os povos asiáticos, os japoneses são a raça eleita; abaixo deles estão os indianos e depois os coreanos e os chineses. Os negros são inferiores aos asiáticos. E nos cimentos da pirâmide racial estão os árabes, junto aos cimentos se encontram os ciganos e, por último, no fundo, à margem do conceito de raças aptas para a vida, estão os judeus, que segundo a terminologia hitlerista são "sub-humanos", "uma raça irremediavelmente viciada e que segue envenenando a outras raças viáveis".

Contudo, a definição de "ariano" na Alemanha nazista seguiu sendo tão imprecisa quanto premeditadamente vaga era também sua concepção na doutrina de Hitler, que utilizará o "arianismo" segundo as circunstâncias biopolíticas ou geopolíticas de cada momento em benefício de sua política racial e expansionista. Em princípio, a condição de "ariano" se predicava a qualquer alemão que não fosse judeu ou negro, nem de origem africana ou asiática, nem tivesse ascendentes de tais raças até a terceira geração. Mas esta circunstância pôde aplicar-se, em função dos acontecimentos da política internacional e da marcha da guerra, a todos os europeus que não tivessem tal ascendência, de tal forma que tão "ariano" podia ser um alto e loiro escandinavo, como um escuro e vivaz mediterrâneo.

Na prática quotidiana da Alemanha nazista, não obstante, a condição de "ariano" se media, não tanto atendendo a determinadas características antropológicas de origem, como ao grau em que uma pessoa podia demonstrar sua utilidade e serviço à comunidade racial alemã, de tal maneira que a pretendida pureza racial, deixando à margem o âmbito particular das SS, dependia exclusivamente do capricho da hierarquia nazista para decidir quem podia ser considerado como arianos puros ou não. Bastava que um alemão classificado como "racialmente ariano" se comportasse como um dissidente ou manifestasse qualquer dúvida perante o regime para que, imediatamente, fosse considerado como um "bastardo judaizado", ao menos de um ponto de vista espiritual e ideológico.

O antropólogo-raciólogo oficial do regime Hans F.K. Günther descrevia assim o que não sera senão um anseio: "A questão não radica em sermos mais ou menos nórdicos; a pergunta que devemos nos fazer é se temos ou não a valentia de legar às gerações futuras um mundo capaz de se purificar no sentido racial e eugênico". Tratava-se, nada mais e nada menos, que de um movimento orientado à "nordicização" (Aufnordung): "o movimento nórdico pretende voltar a despertar no povo alemão a força criadora que antes possuiu o germanismo, e isso se conseguirá por meio de um triunfo na natalidade dos elementos germânicos, isto é, de caráter nórdico". Os líderes nacional-socialistas, especialmente o próprio Hitler, eram perfeitamente conscientes de que o povo alemão não constituía uma raça pura e, muito menos, nórdica, pelo que essa foi adotada como um "modelo racial ideal" ao qual se devia chegar por todos os meios da ciência eugênica e da seleção racial. E a antropologia se converteu assim na ferramenta propagandística que clamava pela purificação da raça alemã. O ambicioso sonho nazista era transformar substancialmente a natureza biogenética do povo alemão.

Não obstante, o mito ário não foi nunca abandonado. Ao fim e ao cabo, aqueles povos ários, indo-germânicos ou indo-europeus, de origem nórdica, que com o contato com as culturas autóctones, provocaram, segundo o discurso nazista, o nascimento de grandes civilizações na Índia, Pérsia, Grécia, Roma e, inclusive, para os ideólogos afeitos ao nazismo, também no Egito pré-dinástico, China e as misteriosas culturas pré-colombianas, assim como a maioria dos Estados europeus medievais surgidos após as invasões germânicas, deviam se encontrar presentes, em maior ou menor medida, na composição biogenética de todos os povos europeus. E isso havia culminado na civilização europeia ocidental exportada a todos os continentes. Dessa forma, a "germanidade" se convertia no nexo comum que unia a todos os povos europeus e, em consequência, deviam ser os alemães, os mais puros representantes dos antigos germânicos, os chamados a cumprir a missão de unificar a Europa sob seu domínio racial e espiritual (Herrschertum).

Desde logo, as diversas ondas migratórias dos germânicos (Völkerwanderung) se estenderam desde os fiordes nórdicos até o mar mediterrâneo e as estepes russas. Eram germânicos os vândalos que passaram pela Península Ibérica e ocuparam de forma efêmera o Cartago no norte da África, como também o eram os visigodos (ou talvez fossem bálticos?) e os suevos instalados na Hispânia, os francos e burgúndios que deram lugar ao Império Carolíngio, os ostrogodos e os lombardos na Itália, os anglos, saxões e jutos que invadiram a Grã-Bretanha e, é claro, os alamanos, os saxões, os turíngios, os bávaros e outros povos que provocaram o nascimento dos países de língua alemã (Áustria e Alemanha), ou como os frísios, os holandeses, os dinamarqueses, os suecos e os noruegueses que ficaram perto de seus lugares de origem. Em todos os casos, salvo no norte da Europa, nas regiões escandinava, alemã setentrional e báltica, onde formarão o contingente humano majoritário, os germânicos se encontrarão em franca minoria em relação às populações autóctones, inferioridade quantitativa que souberam compensar privilegiadamente mediante sua constituição como uma aristocracia de sangue, uma casta senhorial e nobiliárquica somente apta para a arte de governar e fazer a guerra.

Posteriormente, se produziram vários episódios de re-0germanização da Europa: germânicos eram os povos nórdicos, conhecidos como normandos ou vikings, que voltaram a invadir as Ilhas Britânicas, ocuparam o noroeste da França (Normandia) e colonizaram a Islândia e a Groenlândia até alcançar o continente americano; germânicos nórdicos eram também os "rus" que fundaram os primeiros principados russos, os que se apossaram da ilha da Sicília e os que formaram a guarda "varyag" em Bizâncio. Germânicos, se bem que agora exclusivamente alemães, os que sob o auspício do Império e o ímpeto expansionista da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos germanizaram extensas regiões da Hungria, Boêmia, Morávia, Eslovênia, Romênia, Polônia e os Países Bálticos; germânicos prolíficos, sem dúvida, que chegaram a constituir a República dos Alemães do Volga na extinta União Soviética. E, enfim, germânicos eram também (majoritariamente anglo-saxões, escandinavos, holandeses e alemães) os europeus que colonizaram a América do Norte, a África do Sul e a Austrália.

O denominador comum a todos eles são bem conhecidos: o expansionismo militar ou colonizador, a conservação do patrimônio biogenético mediante uniões intrarraciais e o estabelecimento de uma hierarquia sócio-racial que convertia aos germânicos em uma autêntica aristocracia, nobreza de sangue, e aos "inferiores" povos coabitantes, fossem ameríndios, africanos, semitas ou aborígenes australianos, em vítimas propiciatórias dos deslocamentos, submissões, da exploração ou do extermínio.

Pois bem, voltando àqueles povos primitivos de uma suposta raça nórdica - arianos, tochários, dórios, jônios, aqueus, macedônios, trácios, dácios, frígios, ilírios, latinos, celtas, bálticos, eslavos e germânicos - observamos retrospectivamente seu insistente costume de instalar-se, como uma aristocracia de senhores e guerreiros, nas culturas euro-mediterrâneas e indo-arianas, submetendo ou escravizando a seus povoadores, mas mantendo uma autêntica separação ou segregação racial a fim de preservar suas características étnicas (dórios espartanos, patrícios romanos, brâmanes hindus, nobres germânicos), até que as implacáveis leis da convivência humana impuseram a mestiçagem racial, a hibridização cultural e, por fim, a inevitável decadência racial e espiritual que, segundo Gobineau, acaba com todas as civilizações. Milhares de anos depois, o movimento nazista se propôs a recuperar a figura nórdica do ariano criador, conquistador, dominador e escravizador. E para culminar essa obra, o povo escolhido não podia ser outro que o germânico, o mais puro dos antigos nórdicos.

O fato histórico transcendental, que provocou tal explosão ideológica, é que em torno ao 5º milênio a.C., começa a grande expansão, a Grosswanderung, desde o norte da Europa, de uns povos aparentados cultural, linguística, religiosa e, nos arriscamos a supôr, também antropologicamente. Invadirão, em sucessivas ondas migratórias, toda Europa, chegando ao Mediterrâneo e ao norte da África, assim como às atuais Turquia, Armênia, Curdistão, Irã, Afeganistão, Paquistão, Índia e a parte ocidental da China. Fundarão, em contato com as populações autóctones de origem euro-mediterrânea e afro-asiática, as grandes civilizações que são fundamento do mundo que hoje conhecemos. São povos de guerreiros e conquistadores, que praticam um tipo de nomadismo depredador e que dominam a arte e o ofício da guerra, com suas armaduras, escudos, espadas e machados, a montaria de cavalo e a carruagem de combate. Se impõem com facilidade aos povos submetidos, pacíficos, sedentários e agrícolas que vivem, com escassa proteção, em vales, planícies, estepes e litorais, próximos aos mares, lagos e leitos de rio sobre os quais giram suas concepções domésticas da vida.

A chegada desses invasores implica em uma mudança notável: a sociedade se torna hierárquica, em cuja cúspide se situam os conquistadores, os quais, durante muito tempo, praticam uma separação radical, racial, social, cultural, confessional, com os indígenas, quando inauguram uma organização tri-funcional (senhores, guerreiros e camponeses ou servos) e um tipo de assentamento em forma de cidades fortificadas que se situam nos altos promontórios naturais. Os testemunhos dos povos submetidos nos legaram numerosas descrições de seu aspecto físico: altos, fortes, loiros e de olhos azuis. Descrições que, saltando as distâncias, correspondem ao tipo nórdico atual e que, obviamente, devem ter surpreendido, por pouco comuns, aos povoadores periféricos do mundo civilizado de então, de pequena ou média estatura e traços escuros. Mas, realmente, de onde vinham estes conquistadores? Quem eram? Como eram?

Uma Língua, Um Povo, Uma Pátria

Gustav Kossinna, e posteriormente também Adriano Romualdi, pensava que "a raça nórdica dolicocéfala deve ter se desenvolvido a partir dessas duas raças do Paleolítico Superior, a de Cro-Magnon e a de Aurinhaque-Chancelade, durante o começo do Neolítico ou o Mesolítico que segue à glaciação e se considera o início da Idade da Pedra". De fato, a arqueologia documenta um deslocamento do elemento cro-magnoide da Europa ocidental na direção do Báltico. Outros, como Hans F.K. Günther, negavam que a raça nórdica fosse o resultado de uma evolução, ou mais tecnicamente, de uma adaptação, do Cro-Magnon, que podia dar lugar à raça dálica ou fálica (dalo-faelid), sendo mais provável a mutação da Aurinhaque no território livre de gelo da Europa central. Mas ambos aceitaram de forma acrítica que os falantes da língua indo-europeia original pertenciam a uma raça nórdica de homens altos e loiros, que viviam na antiga região alemã e que em sucessivas ondas, invasões e conquistas levariam o progresso cultural, unido à superioridade biológica, às civilizações clássicas.

No que estavam de acordo, de Otto Reche a Hans Günther passando por Kossinna, é que foi a Europa do último período glacial o berço da raça nórdica e, portanto, dos indo-europeus, sendo ademais na atualidade, algo que passam por alto muitos autores, a região do mundo em que, à margem de outras migrações mais recentes, se encontra em maior número e com maior fidelidade o tipo humano nórdico, enquanto que a área que vai da Ásia Menor até a Ásia Central foi, frequentemente, a tumba de numerosos povos indo-europeus (hititas, anatólios, armênios, frígios, tocharianos, arianos e indo-iranianos em geral), na qual foram fagocitados deixando, talvez, sistemas linguísticos, organizações hierárquicas ou certas tradições religiosas, mas não seus traços físicos e antropológicos.

Concluindo, podemos aventurar, sempre no terreno da especulação história e não no da constatação antropológica e arqueológica, que o tipo de "homo sapiens" desenvolvido na Europa, seja o de Cro-Magnon ou o de Aurinhaque, apareceu em algum lugar da região compreendida entre os mares Báltico e Negro, originando as primeiras povoações pré-indo-europeias: as que permaneceram em seus lugares de origem, dando lugar ao tipo europeu oriental "caucásico"; as que emigraram para o sul da Europa em busca de terras férteis, que seriam os ancestrais do tipo europeu ocidental "mediterrâneo"; e as que emigraram para o norte à caça de animais conforme o gelo ia retrocedendo e descobrindo novas terras inóspitas, que seriam os antepassados do tipo europeu "nórdico". Nessa pátria secundária de neves perpétuas e tênues luzes adquiririam os traços físicos que, segundo parece, caracterizaram os povos indo-europeus que, posteriormente, certamente coincidindo com outra época intermediária de clima glacial, emigrariam novamente para o sul, chegando ao Mediterrâneo, e para o leste, alcançando o Índico, misturando-se com as populações pré-indo-europeias que lhes precederam.

A seguinte exposição não deixa de constituir mais uma hipótese, mas cumpre perfeitamente o papel de ponto de partida para compreender o complexo processo de formação e posterior migração de determinados conjuntos étnicos que a linguística englobou em torno ao conceito de "indo-europeus". Pois bem, em torno ao ano 13.000 a.C. começa o grande degelo no norte da Europa. Até o ano 10.000 a.C. os gelos já haviam se retirado até a área norte da região de Hamburgo; no ano 9.000 a.C. o gelo libera a região de Copenhague e no 7.500 a.C. a área de Estocolmo, completando-se o degelo e formando-se o mar Báltico; posteriormente, por volta do 5.500 a.C., a terra livre do gelo se eleva e as águas liberadas ocupam as zonas baixas, originando o mar do Norte e separando as Ilhas Britânicas e Escandinávia do resto do continente.

Os proto-nórdicos (pônticos, caucásicos, danubianos?) seguem às manadas de animais que migram para o norte, assentando-se na Europa setentrional, caçando e pescando, até que surge a agricultura neolítica oriunda da Ásia Menor, que penetra pelos Bálcãs e através do Mediterrâneo, alcançando o Danúbio e posteriormente o Báltico meridional. Os povoadores da cultura dos "campos de urnas" (Urnenfelderkultur) não constituem todavia um povo indo-europeu definido, mas um conjunto ainda indiferenciado dos paleo-europeus que permaneceram em seus lugares de origem, mas que até o ano 1.400 a.C. vão adquirindo uma fisionomia própria: ilírica, céltica, itálica, germânica. Começa então a grande migração para o sul, a Grossewanderung, e posteriormente, no período 1.200-1.000 a.C., partindo do Cáucaso e passando por Irã e Afeganistão, os indo-iranianos, dos quais os arianos seriam apenas um grupo diferenciado, chegam à Índia. Seu caráter guerreiro, a simbologia solar da suástica, a lembrança de uma pátria nórdica ancestral e seu característico blondismo, os converterão em um útil instrumento para construir uma mítica identificação com os jovens povos germânicos. Quanto à pátria originária (urheimat), segundo Alain de Benoist, existem atualmente duas teses majoritárias. A primeira delas é a nórdica ou germânica. Assim entenderam Hermann Wirth e Karl Penka, a quem devemos a equação "indo-europeu = dolicocéfalo loiro de olhos azuis", e para os quais a zona do Báltico não podia ser a pátria originária por estar habitada por "braquicéfalos racialmente inferiores", distintos dos autênticos arianos, "raça poderosa e enérgica como é a raça loira". Penka afirmará que "os arianos puros só estão representados por alemães do norte e pelos escandinavos, uma raça muito prolífica, de grande estatura, força muscular, energia e coragem, cujos esplêndidos atributos naturais lhes permitiram conquistar a raças mais fracas do leste, sul e oeste e impôr sua língua aos povos submetidos".

A segunda escola majoritária, que é também a mais corroborada pelas descobertas arqueológicas, defende a tese de uma pátria russo-meridional. A lituana Marija Gimbutas, seguindo este caminho, propôs as estepes do sul da Rússia, do Volga, como pátria original, utilizando o conceito da "cultura dos kurgans" (a primeira manifestação conhecida da cultura dos túmulos funerários) desenvolvida por volta do 5º milênio a.C. e que teve vários movimentos migratórios: 1) por volta do 5º milênio a.C. (ao redor do 4.400) a primeira onda alcançou a Europa balcânica e danubiana; 2) no milênio seguinte (entre o 3.500 e o 3.000 a.C.) se produz um deslocamento duplo, pelo Cáucaso rumo ao domínio indo-iraniano, por um lado, e rumo a Europa central, pelo outro; 3) no 3º milênio a.C. teve lugar uma penetração, que não seria a última, na direção do Mediterrâneo, alcançando a península anatólica e o noroeste africano.

Para Alain de Benoist, não obstante, as teorias sobre a localização de uma pátria original russo-meridional ou euro-setentrional não são irreconciliáveis. Para Ward Goodenoug, a cultura dos "kurgans" de Gimbutas não seria senão a extensão pastoril da cultura indo-europeia desenvolvida no norte da Europa; uma parte desse povo, depois de destruir a cultura paleolítica europeia, teria descido para o sul (o povo do machado de guerra) difundindo a cerâmica polida e a metalurgia do bronze. Os restos étnicos que permaneceram na Europa central formariam os contingentes das migrações posteriores. Essa teoria obteve a aprovação de um dos autores mais especializados na questão indo-europeia, James Mallory, que situa o lar ancestral em uma zona delimitada entre os rios Elba e Vístula, margeando ao norte com a península da Jutlândia e ao sul com os montes Cárpatos. Enquanto isso, a tese nórdico-europeia tem sido aceita, em datas recentes, por Harold Bender, Hans Seger, Schachermeyer, Gustav Neckel, Ernst Meyer, Julius Pokomy e, mais recentemente, por Nicolás Lahovary, Paul Thieme e Raim Chandra Jaim.

Em qualquer caso, ainda que a questão da pátria de origem dos povos indo-europeus siga sendo objeto de debates linguísticos e arqueológicos polêmicos e interessantes, a teoria sincrética que provoca menos rechaço entre os estudiosos situaria a urheimat na extensa zona compreendida entre o mar Netro e o Báltico, epicentro indo-europeu a partir do qual se deslocariam os vários povos em todas as direções, alguns deles avançando lentamente para o norte da Europa, consolidando uma série de povos nórdicos com o característico fenótipo claro e dando lugar a uma etnogênese que conformaria posteriormente os distintos conjuntos tribais proto e indo-germânicos. O outro grupo separado do tronco original, importanto também quantitativamente, se assentaria em todos os cantos do sul da Europa, adquirindo o fenótipo mais escuro típico dos povos mediterrâneos, matizado posteriormente pelas contribuições dos povos vindos do centro e norte da Europa.

O "problema indo-europeu" foi realmente uma questão de identidade estritamente europeia. Quando ainda se acreditava que a luz civilizadora vinha do Oriente, apareceram os "arianos" como povo originário e primigênio (ariervolk), cujas migrações posteriores para o Ocidente teriam colonizado toda Europa. Conforma ia se desprestigiando a crença em uma exótica origem asiática e se abria caminho para as teorias eurocêntricas mais realistas, na Alemanha, possuída por uma quase divina predestinação de sua missão universal para salvar a humanidade, se adotou o nome de "indo-germânicos", unindo as duas ramificações extremas daquele povo misterioso (indo-iranianos no leste, germânicos no oeste) que, posteriormente, fundamentando-se nas descrições físicas que os autores clássicos faziam dos indivíduos (altos, fortes, loiros e de olhos azuis), confirmadas pelas provas arqueológicas e antropológicas encontradas na Escandinávia, Alemanha setentrional e Báltico, então os nazistas cunharam a denominação exclusiva de "nórdicos", aproveitando que o Reno passa pela Germânia, como havia escrito um Tácito latino ofuscado pela decadência dos romanos frente à vitalidade dos bárbaros germânicos.

O "arianismo" teve em suas origens umas conotações românticas que pretendiam enviar uma mensagem moralizante sobre a decadência da cultura ocidental em comparação com o estado puro e virginal de uma civilização ariana anterior à história, mas não pré-histórica, senão para-histórica. O germanismo mais radical, não obstante, se apropriou da origem indo-europeia para proclamar e reivindicar seus direitos ao domínio mundial, convertendo o povo originário, mediante uma transmutação biogenética, na raça nórdica de senhores e conquistadores, selecionados naturalmente para a "arte de governar e fazer guerra". Estamos irremediavelmente diante de um autêntico "mito europeu", que começou fragilmente sua caminhada das mãos do darwinismo social para legitimar, entre as classes políticas e intelectuais, o supremacismo branco cúmplice do colonialismo depredador e das políticas discriminatórias, que faziam do europeu, especialmente dos nórdicos, o "prometeu da humanidade" (para empregar a conhecida expressão hitlerista) frente aos "escravos de uma sub-humanidade" luciferiana despossuída da evolução divina.

Dessa forma, no extremo oriental ocupado pelos "indo-europeus", nos encontramos com um povo misterioso que se denomina com o termo endoétnico "aryas", com o sentido de "nobre", ainda que haja autores, como o indólogo Paul Thieme que embaralham um termo exoétnico com o significado de "estrangeiro". Em todo caso trata-se dos conquistadores da Pérsia (Irã), Afeganistão, Paquistão e Índia. O livro sagrado Rig Veda reflete que se designavam a si mesmos com esse nome popular. O Avesta fala do Airyanem Vaejah (pátria solar dos arianos). Durante o Império Aquemênida, séculos mais tarde, os habitantes do Irã (evolução de Aryan) ainda utilizavam denominação idêntica e de alguns personagens se dizia que eram "arya-cica" (de origem ariana) ou "arya-putra, arya-kanya" (como títulos senhoriais). O nome do bisavô de Dario era Ariyaramma, e o próprio Dario se considerava "de estirpe ariana, rei dos arianos". O termo teria perdurado no nome moderno do Irã, também no da Irlanda (Eire) e no de Ironistão, nome que dão os ossetas caucásicos, descendentes dos alanos indo-iranianos, a sua pátria (em sua língua se chamam "iron"). No extremo ocidental, ademais, se conservou a denominação de "arianos" em alguns antropônimos como o celta "Ariomano", os germânicos "Ariovisto", "Ariomer" ou "Ariogais", o escandinavo "Ari", o celtibérico "Arial", o gótico "Ariarico", o latino "Ariolus" e, inclusive, os gregos "Ariel", "Arianna" e "Aris".

Um inciso. Em relação ao conceito de "indo-europeu", introduzido pelo britânico Thomas Young, tecnicamente impreciso, mas que teve a sorte de substituir ao de "indo-germânico", cuja utilização nacionalista e racista na Alemanha durante o Segundo e Terceiro Reich o condenou ao ostracismo, há que sublinhar que não deixa de ser uma construção artificiosa e imprecisa, sendo preferíveis, em qualquer caso, os de "alt-europeu" ou "paleo-europeu", no sentido de "europeu antigo", para designar o grupo étnico originário, enquanto aquele ficaria reservado ao âmbito da linguística comparada.

Fundamental na construção do mito ariano foi o romântico alemão Friedrich Schlegel, que pode ser considerado como o fundador da "indo-germanística". Estudioso do sânscrito e, por extensão, de todas as línguas indo-europeias aparentadas, em uma época em que se acreditava que a origem da raça branca estava no norte da Índia e que logo irradiou por todo Ocidente, parece que foi o criador do termo "ariano", fazendo-o derivar do sânscrito "arya", com suas notáveis correspondências no grego "aroi", relacionado com o de "aristós" (nobreza) e o de "areté" (virtude), o latino "herus" (senhor), o irlandês "air" (honrar) ou o alemão "ehre" (honra) ou "herr" (senhor). Durante todo o século XIX, os linguistas passaram da defesa da origem asiática desses povos para situá-lo em distintos lugares da Europa: a zona caucásica, as estepes russas, a região danubiana, os países bálticos, o setentrião alemão, a península escandinava, etc.

Posteriormente, o hindu Lokamanya Bal Gangadhar Tilak, baseando-se em uma série de tratados e rituais védicos (o Devayana e o Pitriyana), chegava a conclusões radicais sobre o lugar de origem dos arianos, que descreviam uma divisão do ano em duas partes, uma indeterminada e outra clara, como nas zonas polares onde se conhece um dia e uma noite de seis meses cada uma (seis meses de claridade e seis meses de escuridão, como nas regiões setentrionais). De fato, o Avesta informa igualmente que, na pátria originária dos arianos, o inverno contava com dez meses, enquanto que o verão só contava com dois. Para desenvolver sua tese, Tilak recorria também a inúmeros mitos gregos, romanos, germânicos, eslavos e indianos, que mencionavam uma região primitiva ártico-hiperbórea ou circumpolar, nas regiões próximas ao pólo ártico, caracterizada por uma noite interminável, na qual os estrangeiros conquistadores da Índia deviam ter tido seu primeiro lar.

Por sua parte, o Rig Veda descreve as lutas dos "aryas" (grandes, belos, de belo nariz) com os "dasyus" (pequenos, negros, sem nariz). Distingue entre uma "aryavarna" (cor ariana) e uma "dasavarna" (cor inimiga) ou um "krishanavarna" (cor escura). Os arianos são loiros, "hari-kesha" (de cabeça loira) ou "hari-shmasharu" (de barba loira), ou simplesmente "hari" (os loiros). Também os deuses e os heróis homéricos são descritos como loiros ou de cabelos dourados como o sol, de pele branca como a neve e de olhos com a íris azul como o céu. E assim também os latinos romanos, cujas primeiras elites (os ascendentes dos patrícios) mostravam um acentuado blondismo no cabelo ("rutilus", avermelhado, ou "flavus", loiro), olhos azuis ("caesius") e estatura elevada ("longus") que, por outra parte, impregnaram o ideal estético romano.

Dessa forma, o tipo físico predominante entre os antigos povos indo-europeus, dos arianos aos germânicos, se converteu logo em objeto dos comentários dos escritores clássicos, que eram coincidentes na notoriedade de seus corpos altos, ágeis e musculosos, pele branca-rosada, cabelos loiros ou ruivos e olhos azuis, no entanto, isso deve ser posto em relação com a novidade que seria para os olhos dos observadores mediterrâneos, de pigmentação escura, com a descoberta de traços físicos tão distintos aos seus, ainda que, sem dúvida, eram também os que correspondiam ao cânone da beleza clássica, certamente imposto pelos conquistadores nórdicos anteriores como os helenos, os ilírios e os latinos. Em qualquer caso, essas descrições corresponderiam ao elemento mais visível desses conjuntos populares multitribais, isto é, aos nobres chefes e guerreiros, dadas suas práticas endogâmicas, mas não ao resto da população, que seria o resultado de um amálgama multiétnico muito distante já do Herrenvolk (raça de senhores) glorificado pelos antropólogos afeitos ao nazismo.

Mas o mito já estava servido: o debate sobre a pré-existência de uma humanidade "ário-nórdica" superior, aberto talvez prematuramente, e fechado abruptamente pelos interesses e objetivos de uma doutrinação secular dirigida às novas gerações, formadas em uma frágil consciência europeia e presas de uma suposta culpabilidade derivada da vitimização causada por um estigma racial que não se consegue compreender, nem interpretar, pelos parâmetros humanistas e racionalistas entre os que se desenvolve, e se revolve, a mal chamada civilização ocidental.

Mas realmente, existiu um nexo intra-histórico e ideológico comum entre Darwin, Schlegel, Gobineau, Chamberlain, Wagner e Hitler? A resposta deveria ser rotundamente negativa. Não obstante, a forma pela qual Hitler, que se considerava herdeiro da refinada cultura europeia de tradição greco-romana frente à rudeza dos costumes nórdico-germânicos, soube vulgarizar, sintetizar, popularizar, ideologizar e, finalmente, explorar as constantes vitais da "arianidade" em busca de seus objetivos "bio-geo-políticos" de expansão territorial, colonização racial e dominação mundial, poderia nos fazer pensar na tangibilidade desse condutor inexorável a que chamamos destino. Algo em que crê o autor, ainda que a história, em ocasiões, esteja condenada a se repetir.

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