09/08/2016

Joseph Pearce - A Voz de um Profeta: Solzhenitsyn sobre a Crise Ucraniana

por Joseph Pearce



Aleksandr Solzhenitsyn foi muitas coisas. Um corajoso defensor da liberdade em uma era de totalitarismo. Um corajoso crítico do comunismo. Um corajoso crítico do Ocidente hedonista moderno. Um grande historiador. Um grande romancista. Ganhador do Prêmio Nobel. Um profeta.

Em relação a esta última característica, Solzhenitsyn profetizou, no auge do poder soviético, que ele viveria mais que a URSS e retornaria a sua nativa Rússia após o fim da União Soviética. Como costuma ocorrer com profetas, ele não foi levado a sério. Era assumido por todos os "especialistas" que o Império Soviético estava aqui para ficar e seria parte da paisagem geopolítica global pelo futuro próximo. Como a história demonstrou, o profeta estava certo e os especialistas errados.

Claramente vale a pena levar Solzhenitsyn a sério. Em nenhum outro lugar isso é mais evidente do que em sua notável presciência em relação a atual crise na Ucrânia.

Tão cedo quanto 1968, durante a escrita do que posteriormente seria publicado como O Arquipélago Gulag, ele escreveu sobre seus medos de um futuro conflito entre Rússia e Ucrânia: "Me doi escrever isso porque Ucrânia e Rússia estão misturadas em meu sangue, em meu coração, e em meus pensamentos. Mas a larga experiência de contatos amistosos com ucranianos nos campos me mostrou o quão dolorosamente eles se ressentem. Nossa geração não escapará de pagar pelos erros de nossos pais".

Prevendo a ascenção do nacionalismo e suas reivindicações territoriais, Solzhenitsyn lamentava ser muito mais fácil "bater o pé e berrar Isto é meu!" do que buscar reconciliação e coexistência:

"Mesmo que seja surpreendente, a previsão doutrinária marxista de que o nacionalismo estava desaparecendo não se concretizou. Ao contrário, em uma era de pesquisa nuclear e cibernética, ele por alguma razão floresceu. E está chegando o momento, queiremos ou não, de pagar as notas promissórias da autodeterminação e da independência; façamos isso nós mesmos ao invés de esperar para sermos queimados na fogueira, afogados em um rio ou decapiados. Devemos provar se somos uma grande nação não com a vastidão de nosso território ou pelo número de povos, mas pela grandiosidade de nossos feitos".


A Rússia deveria se satisfazer com "lavrar o que permanecerá depois que as terras que não quiserem mais permanecer conosco se separarem". No caso da Ucrânia, Solzhenitsyn previu que "as coisas serão bastante dolorosas". Era necessário, porém, que os russos "entendessem o grau de tensão" que os ucranianos sentem.


Com sua constumeira compreensão da história, ele lamentava que havia se provado impossível ao longo dos séculos resolver as diferenças entre o povo russo e o ucraniano, tornando necessário para os russos "demonstrar bom senso": "Devemos conceder o poder de decisão a eles: federalistas ou separatistas, não importa quem vença. Não concedê-lo seria insano e cruel. Quanto mais lenientes, pacientes e coerentes sejamos agora, mais esperança haverá de restaurar a unidade no futuro".

A maior dificuldade surgia da própria mistura étnica na Ucrânia onde, em diferentes regiões do país, havia diferentes proporções daqueles que se consideravam ucranianos, daqueles que se consideravam russos e daqueles que não se consideravam uma coisa ou outra. "Talvez será necessário organizar um referendo em cada região e garantir tratamento preferencial e delicado daqueles que queiram sair". Para que isso ocorra, a Ucrânia precisará mostrar o mesmo bom senso em relação às regiões em que russos predominem quanto a Rússia precisava mostrar à Ucrânia como um todo. Isso era especialmente necessário por causa da natureza arbitrária da área designada como pertencendo à Ucrânia: "Não é toda a Ucrânia em suas fronteiras formais soviéticas que é de fato Ucrânia. Algumas regiões tendem claramente em direção a Rússia. Quanto a Crimeia, a decisão de Kruschev de entregá-la à Ucrânia foi totalmente arbitrária". A maneira com que os ucranianos étnicos tratassem os russos étnicos dentro dessas fronteiras majoritariamente arbitrárias "serviria como teste": "enquanto demandam justiça para si mesmos, quão justos os ucranianos serão para com os russos dos Cárpatos?"

Alguns anos depois, em abril de 1981, Solzhenitsyn escreveu uma carta para a conferência de Toronto sobre relações russo-ucranianas na qual ele escreveu que "o problema russo-ucraniano é uma das maiores questões e, certamente, de importância crucial para nossos povos". O problema era, porém, exacerbado pela "paixão incendiária e pelas temperaturas escaldantes resultantes" que eram "perniciosas": "Eu tenho repetidamente afirmado e estou reiterando aqui e agora que ninguém pode ser retido pela força, nenhum dos antagonistas deve recorrer à coerção em relação ao outro lado ou em relação ao próprio lado, ao povo como um todo ou a qualquer minoria que ele abarque, pois cada minoria contém, por sua vez, sua própria minoria".

Seguindo os princípios da subsidiariedade que sempre animou seu pensamento político, Solzhenitsyn insistia nos direitos das localidades determinarem seus próprios destinos, livres da força coercitiva de governos centrais alienígenas e alienadores, fosse este governo Moscou ou Kiev: "Em todos os casos a opinião local deve ser identificada e implementada. Portanto, todas as questões podem ser verdadeiramente resolvidas apenas pela população local..." Enquanto isso, a "dura intolerância" que animava extremistas dos dois lados da linha étnica seria fatal para ambas as nações e só seria benéfica para seus inimigos".

Em 1990, em sua revolucionária obra, Reconstruindo a Rússia, Solzhenitsyn profetizou o perigo inerente na composição étnica da Ucrânia:

"Separar a Ucrânia hoje significa cortar através de milhões de famílias e pessoas: simplesmente considere quão misturada é a população; há regiões inteiras com uma população predominantemente russa; quantas pessoas haverá que consideram difícil escolher a qual das duas nacionalidades eles pertencem; quantas pessoas são de origem mista; quantos casamentos mistos há (aliás, ninguém pensou até agora neles como mistos".


Apesar de Solzhenitsyn temer as consequências de uma Ucrânia independente, ele respeitava o direito do povo ucraniano se separar, um direito que eles exerceram conforme a antiga URSS se desmontou. Reiterando seus princípios subsidiaristas ele insistia sempre que "somente a população local pode decidir o destino de sua localidade, de sua região, enquanto cada minoria étnica recém-formada naquele localidade deve ser tratada com a mesma não-violência".


Hoje, quase seis anos após sua morte, a posição de Solzhenitsyn ainda é a únida solução sã e segura para a crise ucraniana. Aquelas regiões da Ucrânia oriental que quiserem se separar do oeste do país devem poder fazê-lo. Já há duas nações de facto. Faz sentido, então, que essa realidade de facto deva ser honrada com status de jure. Qualquer outra solução sugerida não só é injusta como levará a ainda maiores injustiças sob a forma de guerra, terrorismo e ódio. Nisto, como em muitas outras coisas, a voz do profeta deve ser ouvida.